segunda-feira, 12 de julho de 2010

[welcome to mozambique] alojamento

«A convite do recepcionista lá fomos pelo obscuro corredor. O homem ia explicando as insuficiências com o mesmo entusiasmo que outro hoteleiro, em qualquer lugar do mundo, anunciaria os luxos e confortos do seu hotel. E o italiano parecia se arrepender de alguma vez ter querido saber: só havia eletricidade uma hora por dia.

- Merda, será que trouxe pilhas suficientes? - se interrogou.
Afinal, eu estava dispensado de traduzir. Massimo sabia-se explicar e, pior ainda, entendia o que lhe diziam. O outro prosseguia com as condições:

- Também não há água nas torneiras.
- Não há água?
- Não se preocupa, meu caro senhor: manhã cedo, havemos de trazer uma lata de água.
- E vem de onde, essa água?
- A água não vem de nenhum lugar: é um miúdo que traz.

Chegamos ao quarto destinado ao estrangeiro. Eu ficaria mesmo ao lado. Ajudei o italiano a se instalar. O quarto tresandava. O hoteleiro, seguindo à frente, dissertava sobre a variedade de fauna coabitando o mesmo espaço: baratas, aranhas, ratos. No chão havia uma caixa. O homem debruçou-se sobre ela e foi tirando objetos diversos:

- Esta revista é para matar as moscas. Esta sola velha é para as baratas. Esta bengala...
- Deixe estar, eu resolvo.

O recepcionista abriu as cortinas e uma nuvem de poeira se espalhou pelo aposento. Passado um pouco tudo se tornou mais visível, mas o italiano parecia preferir o escuro. Um líquido espesso escorria pelas paredes.

- É água, isso?
- Era bom, mas conforme já mencionei, nós aqui não temos água.

O recepcionista já se retirava quando se recordou de uma recomendação. Desta vez, se dirigia a mim como se procurasse cumplicidade.

- Às vezes, aparecem nos quartos uns insetos desses, sabe, que chamamos louva-a-deus.
- Sei o que são.
- Se aparecer um desses não lhe mate - disse, dirigindo-se agora ao italiano. - Nunca faça isso.
- E porquê?
- Nós aqui não matamos esses bichos. São nossas razões. Esse aí lhe explicará depois.»
Mia Couto in O Último Voo do Flamingo

(É que é sem tirar nem pôr...)

2 comentários:

  1. espectacular
    matei-me de rir
    admiro a tua força e coragem
    mas para mim esse diálogo seria o suficiente para me por a andar a sete pés
    mosquitos, moscas, louva a deus ainda vá mas tenho pavor das outras, aquelas
    baratas argh

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  2. Não é preciso força nem coragem, são ossos do ofício... A mim os únicos animais que me atormentam são os escorpiões e as cobras... Mas pronto, nada que um chinelo não resolva (um dia conto uma história que só ainda não contei porque tenho medo que nunca mais ninguém regresse aqui ao mato ;)

    (um) beijo de mulata

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