segunda-feira, 31 de dezembro de 2012

[pelo sonho é que vamos!] dobrando 2012

Até tenho pena de deixar este ano... É quase isso que eu sinto. Este 2012 começou turvo, cinzento e triste, mas foi o ano em que me reinventei, em que deixei de chorar todos os dias, de me entristecer com ausências, foi o ano em que me enamorei à primeira vista pelo baby-de-mulata, sonhei que seria mãe dele nesse mesmo dia e, ao contrário do meu enorme desgosto que aconteceu há quase dez anos, desta vez cheguei a tempo! Melhor, muito melhor: há quase dez anos não cheguei a tempo de me despedir do meu amor pequenino. Este ano cheguei a tempo de ser mãe de um menino encantador, e com uma força interior admirável!

Ao lado disso, tudo o resto que me aconteceu este ano, desde o lançamento do livro até ter sido eleita para a direção de uma das maiores ONG do país, nada me parece extraordinário! Mas, pronto, para que conste em ata e antes que venha a piadola: também já plantei uma árvore. Foi em 2010, na Zambézia, com o coração apertado, quase na despedida de Moçambique. Um momento simbólico, porque naquele momento acreditei, com todas as minhas forças, que se a árvore vingasse, voltaria àquele lugar que eu amo. Hoje continuo a acreditar que voltarei, até porque a árvore, dizem-me, já deu frutos. Só não vos provo o que vos digo com uma foto da minha pessoa a plantar a dita porque estou numa posição muito pouco digna e-eu-agora-sou-mãe-de-família-tenho-que-me-dar-ao-respeito... Mas vem aqui gente que não me deixa mentir!

Chego a 2013 sobretudo profundamente grata! Grata pela vida e grata a todos os que me provaram, mais uma vez, que a vida é simples. Desejo-vos a todos mais um ano muito feliz.

sábado, 29 de dezembro de 2012

[aliterações de lisboa] um olhar de alta resolução

 
"Só um olhar verdadeiro percebe uma mentira"... Em Português, mesmo sem a aliteração, soa muito melhor, não concordam?
(Calvário, Lisboa)

sexta-feira, 28 de dezembro de 2012

[músicas para o baby-de-mulata] a banda sonora deste natal


 
O baby-de-mulata, graças a Deus, a Santa Cecília e ao seu dedicado professor de música para bebés, é um menino muito-afinadinho-benza-o-Deus e já sabe cantar comigo esta música de Natal, composta pelo meu querido primo J... Um rio de baba escorre desta casa...

[as melhores do serviço de urgência] uma entorse de trazer por casa...

Na consulta de um amigo meu, médico de família na margem sul, onde em tempos também trabalhei, entrou uma mãe de cinco filhos com o seu mai novo a coxear depois do corta-mato da escola.

[Trata-se, aliás, de um corta-mato famoso em todos os estabelecimentos de saúde da margem sul, porque, sempre que se realiza, o corpo clínico é devidamente avisado com a antecedência necessária e, dos cerca de 100 participantes, quase todos acabam por ir parar com os costados à urgência. Uns com dores no peito por razões que não sabem explicar, outros com sensação de falta de ar depois de terem corrido à maluca quase uma hora sem aquecimento e sem treino prévio, outros com crises de asma de esforço, traumatismos vários, outros só porque todos-vão-faltar-amanhã-com-atestado-e-eu-não-vou-porquê?-não-sou-nenhum-totó-também-vou-meter-atestado. Uns de ambulância, outros transportados pelos pais, já de sobreaviso e chamados à pressa a comparecer na escola, outros poucas horas depois, já chegados a casa...

Houve um ano em que estava de urgência e cheguei a observar quase todos os miúdos com os números seguidos do 5 ao 25. Ao fim da tarde, vendo que não aparecia o 24, perguntei ironicamente ao rapaz que tinha sido o nº 50 se ele sabia alguma coisa do nº 24, se não andaria perdido à procura do hospital... É que já só faltava ele. Ao que me respondeu que o nº 24 era um grande amigo dele, mas que como já tinha 17 anos tinha ido à urgência dos adultos...]

Mas voltando à consulta do meu colega, o rapaz, depois do famosíssimo corta-mato entrou a coxear no gabinete de consulta, numa daquelas alterações da marcha que até o porteiro diagnosticava como fictícia ainda o rapaz vinha ao fundo da rua...

- Então o que tem o seu filho?
- Ele diz que pôs mal o pé durante o corta-mato da escola e hoje à tarde começou a doer-lhe.
- Já em casa?
- Sim, disse que lhe doía cada vez mais e às tantas já chorava desesperado, por isso é que vim.
- Deu-lhe alguma coisa para as dores?
- Só lá tinha daqueles comprimidos que são para tomar com água a ferver, mas ele não os conseguiu tomar. Ainda tentou, coitado, mas queimou a língua e eu não o obriguei mais.
- Com água a ferver? Que comprimidos são esses?
- São daqueles comprimidos que se metem na água a ferver e se desfazem.
- E fazem bolhinhas, minha senhora?
- Sim, esses mesmo, senhor doutor.
- Ah, então anda bem que ele não tomou. Ninguém merece. Paracetamol efervescente... cozido!
- Como?
- Deixe estar que eu já lhe explico. Senta-te ali, rapaz!

segunda-feira, 24 de dezembro de 2012

[se belém fosse em ocua] um conto de natal

 
Um Quase Conto de Natal

Já vos contei esta história. É verídica. É o mais bonito conto de Natal que conheço e passou-se em Ocua, Cabo Delgado, a província mais a norte de Moçambique... Gosto de recordar esta história porque ela me ensinou que há pessoas (certamente mais felizes do que todos nós) que conseguem ver poesia e mistério em momentos únicos...
Em Dezembro, em Ocua, era Natal e entardecia sem que por perto qualquer sinal nos pudesse dar testemunho da data. Tempo de fome, de seca e calor asfixiante, em que a chuva tardava como uma noiva cruel, abandonando as sementeiras e o povo no altar, no desespero de uma boda por mil vezes não consumada, de uma promessa de frescura mil vezes adiada... Era Natal e o calor era irrespirável. Era Natal e ao entardecer não havia luzes nas ruas, ninguém a correr a comprar os presentes de última hora, nenhuma árvore ornamentada. Era Natal e, inquietantemente, faltava o cenário, faltava o tom que o pano de fundo imprime no estado de espírito... mas aparentemente só nós o sentíamos. Tudo o resto, alheio à inquietude que nos vivia por dentro, decorria na rotineira placidez de África. 
Se Jesus menino tivesse nascido em Dezembro em Moçambique, uma capulana teria bastado para o aquecer. E se Belém fosse em Ocua, em vez da vaquinha e do burrinho no estábulo, talvez uma qualquer ave do mato tivesse batido as asas num leque improvisado, oferecendo um sopro refrescante ao seu corpinho de menino... Que nestes casos a poesia da religião e o seu lado de Alice no País das Maravilhas, de fábula, magia e metáfora têm sempre forçosamente de assomar. 
Mas foi precisamente aqui que a Natureza nos declarou, estridentemente, o quanto tínhamos sido injustos. Que tudo quanto a Europa faz de uma forma sistemática, asséptica e geométrica, África improvisa e encanta.  
E foi quando, em Ocua, em frente à casa da Missão, o cajueiro se encheu de centenas de pirilampos, numa árvore de Natal natural erguida na noite, com mil pequenas luzes piscando.

domingo, 23 de dezembro de 2012

[o espírito dos natais passados] recordar é sorrir


 
Um interlúdio de Natal, uma autêntica pérola para recordar... Boas festas!

sábado, 22 de dezembro de 2012

[eu bem vi nascer o sol] algures no fim do mundo...



 O nascer do sol, vindo das águas mornas do Índico... São imagens do local mais próximo do fim do mundo onde alguma vez estive. Éramos as únicas pessoas naquela praia paradisíaca, para além de dois ou três pescadores que saíam de madrugada para tentar a sorte desse dia no mar.
A imagem perfeita de que todos os dias são um renascer! Boas festas!
(Praia das Chocas, Nampula)

quinta-feira, 20 de dezembro de 2012

[para a joana] nada temas, porque tudo recomeça...

 
Amanhecer no Índico...
(Praia das Chocas, Nampula)


Que o medo não te tolha a tua mão
Nenhuma ocasião vale o temor
Ergue a cabeça dignamente irmão
falo-te em nome seja de quem for (...)

Mas tudo é apenas o que é
levanta-te do chão põe-te de pé
lembro-te apenas o que te esqueceu

Não temas porque tudo recomeça
Nada se perde por mais que aconteça
uma vez que já tudo se perdeu


Ruy Belo

domingo, 16 de dezembro de 2012

[o magnum mysterium] grande é a poesia, a bondade e as danças...


 
Obrigada ao Francisco Campos, sj por ter partilhado este post do João que me tinha escapado... Acima de tudo, uma imagem de como a vida e a amizade podem ser simples! Bom domingo a todos...

sexta-feira, 14 de dezembro de 2012

[um dador para a arina] acreditar no milagre!

 
A nossa princesa há pouco mais de duas semanas!
(Hospital Dona Estefânia)
 
Já foi há mais de dez anos que li um livro de viagens - Sul - escrito pelo Miguel Sousa Tavares (MST). Ainda não conhecia Moçambique. Não tinha, na altura, qualquer ideia romântica sobre África e estava a anos-luz de imaginar que um dia me haveria de apaixonar perdidamente por um país que não é o meu e que viria a sofrer profundamente de cada vez que regressasse do meu paraíso. Sul é um livro muito irregular no estilo, mas o capítulo sobre Cabo Verde tocou-me particularmente. No texto Um Rio Há de Correr em Cabo Verde, MST fala do otimismo obstinado de todo um  povo, do amor que têm ao país e da vontade de o fazer andar para a frente. Um otimismo que conheci na primeira pessoa quando visitei o país algum tempo depois.
"Vinte anos de independência, vinte anos de luta contra a seca, vinte anos de teimosia. Podem dez pequenas ilhas, metade África metade Atlântico sobreviver como país? Eles acreditam que sim e fazem por isso. Talvez porque aqui, pesem todas as adversidades, se mantém o deslumbramento. Quem viu as ilhas não as esquece mais." MST
 
Há tempos falei-vos da Arina, a menina adorável, natural de S. Nicolau (Cabo Verde), internada há mais de um ano no meu hospital com uma aplasia medular gravíssima e a precisar de um transplante de medula óssea urgente. Por tudo o que já sabia, quase não me surpreendeu que a mãe mantivesse sempre a firme convicção de que iria encontrar um dador e nunca desistiu de puxar pela sua menina, prepará-la para a vida quando melhorasse e tivesse alta! Também vos falei disso. Uma atitude absolutamente admirável, uma fé a toda a prova que me ensinou muito como médica, e agora como mãe!

Mas dentro da improbabilidade que é encontrar um dador de medula óssea fora da família, o caso da Arina era, se possível, mil vezes ainda mais improvável, porque tinha uma combinação genética muito rara. Cheguei a pensar que era impossível. Cheguei a pensar que o melhor que os pais tinham a fazer era tentar quanto antes ter outro filho compatível. Tive grandes conversas com os meus colegas sobre a ética do diagnóstico pré-implantatório de embriões e seleção de acordo com a histocompatibilidade. (Eu por princípio não sou contra, se é que querem saber...) Mas o pai continuava em Cabo Verde a cuidar do filho mais velho e a trabalhar para sustentar a família. Não era possível.

A única esperança verdadeira era, portanto, apelar para toda a comunidade de Cabo Verde residente em Portugal ou noutros países ditos desenvolvidos - em Cabo Verde não há banco de medula óssea. Lançou-se uma campanha. Campanha essa que tenho a certeza de que falava ao coração dos cabo-verdianos porque continha uma mensagem de esperança e otimismo (Djuntu nu ta konsigi, Juntos vamos conseguir!).

A campanha deu a volta ao mundo. As minhas bloggers favoritas também fizeram eco dela: a Paracuca, a Cocó na Fralda, a AL do ma-schamba, a Glittering. Falou-se na televisão, na rádio, no facebook. A mensagem correu  por mails coletivos. Teve uma adesão admirável.

E há poucas semanas o milagre aconteceu! O dador apareceu no outro lado do mundo, provando-nos que vale a pena acreditar e que a mãe estava certa! Admiro muito a fé inabalável de algumas pessoas...

A nossa princesa mais linda foi esta semana transferida para fazer o transplante. Em nome da Arina, muito obrigada a todos os que leram e divulgaram este caso e a todos os que rezaram por mais este sucesso.

segunda-feira, 3 de dezembro de 2012

[genialidades] vício versus vantagem

 
O Narhinel faz mais pela sua saúde e pela do seu bebé. E tem filtro!
Mas, meninas, não desprezem à partida um vício (ou um viciado) que desconhecem. Mesmo o mais agarrado pode ser reconvertido num bom pai de família, haja sentido de humor, vontade e optimismo!
(O que eu me ri com este post...)

domingo, 2 de dezembro de 2012

[grande é a poesia, a bondade e as danças...] vidas pequeninas





 
Uma criança ainda pré-púbere toma conta do irmãozinho mais novo...
(Nampula, Moçambique)
As fotos não são minhas, mas não me recordo do link, mais uma vez as minhas desculpas... 

sábado, 1 de dezembro de 2012

[vozes brancas* #84] em nome do pai e do filho...


Na consulta de uma menina de quatro anos, que conheço desde a barriga da mãe, senhora de muitas vitórias, com quem passei vários apertos e muitas alegrias, os pais, babadíssimos com a sua pequena lutadora, fazem sempre questão de me ir pondo ao corrente de todos os progressos:

- Sabe, doutora, a Matilde agora anda a aprender o Pai-Nosso. Devagarinho, que aquilo também é muito complicado e ela não deixa nada por meias palavras, quer perceber tudo e faz perguntas difíceis.
- Pois, realmente, não é nada fácil de explicar, só aquele "não nos deixeis cair em tentação"...
- Sim, e essa nem foi a mais difícil... No outro dia, começámos: "Em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo" e ela: "Não, não quero assim, isso é muito injusto!"
- Injusto? - Admirei-me.
- Sim, e começou a dizer que achava muito mal que só lá estivesse o pai e o filho. "Então e a mãe e a filha? Não estão aqui porquê?"

Ah, my little feminist!

* Timbre da voz das crianças antes da puberdade.