quinta-feira, 31 de janeiro de 2013

[áfrica é rica] a vida de um povo

 
Mulher idosa...
(Quénia)
Imagem daqui
Quando morre um velho é como se ardesse uma biblioteca.
Provérbio africano

quarta-feira, 30 de janeiro de 2013

[never take anything for granted] o próprio chão estará garantido?

 


 
Cheias na cidade de Chókwè...
(Gaza, Moçambique)
Fotos de sítios vários da net.
 

As enormes cheias que desde há uma semana estão a devastar a cidade de Chókwè, no Sul de Moçambique, deixaram quase cinquenta mil pessoas desalojadas, segundo o Instituto Nacional de Gestão de Calamidades (sim, existe um Instituto Nacional de Gestão de Calamidades em Moçambique, o que nos diz muito sobre o país e a forma como é gerido...).

Há dias, conversava com a minha amiga C., a minha mamã africana, sobre a forma como as pessoas muitas vezes resistem até ao último momento para aceitar que a catástrofe está iminente, que a vida vai mesmo mudar e que é preciso protegermo-nos e aos nossos, independentemente de todos os bens materiais que fiquem para trás.

(Em Moçambique esta situação é ainda mais difícil porque o futuro é território que pertence aos antepassados, o futuro é algo de quase sagrado e inviolável, portanto as pessoas muitas vezes não só não acreditam nas previsões, como se comportam ostensivamente como se não soubessem de nada. E continuam a pensar que as catástrofes só dependem do destino e não é possível fazer o que quer que seja para se protegerem.)

Mas eu e a C. concordávamos que, de qualquer forma, é muito difícil raciocinar quando está em causa o poder violento da natureza em situações limite. Foi então que ela me contou que no início dos anos '90, em plenas cheias de Maputo, foi buscar o marido ao aeroporto. Não havia taxis e não tinham motorista, portanto a única solução era ir buscá-lo. A rua quase tinha desaparecido, engolida pelas águas e havia muito pouca visibilidade por causa da chuva que não parava de cair.

- A minha mãe ficou com os meninos e eu fui com o meu pai ao aeroporto. E ele dizia-me: "Vai devagar, que a estrada está aqui mesmo em baixo, havemos de chegar." No dia seguinte, mesmo no cruzamento onde tínhamos parado, havia um buraco enorme onde podia cair um camião...

É difícil acreditar que mesmo o chão pode não estar sempre garantido. Por isso também não me espanta a atual situação da Zambézia... Rezemos...

[welcome to mozambique] nampula, a linda!

 
Nampula vista do ar, com um arco-íris fantástico sobre os montes-ilha, um relevo fascinante, quase absurdo. Montanhas que se erguem, súbitas e bruscas sobre a savana, transformando uma terra plana numa paisagem de conto de fadas.
(Nampula, Moçambique)
Foto da minha amiga J.

segunda-feira, 28 de janeiro de 2013

[dsm beijo-de-mulata #4] beijos do cluster c

- Dependente - Precisa de outra pessoa para quem enviar beijinhos. Sem ela não envia beijo nenhum.

- Obsessivo-compulsivo - Envia beijinhos persistentemente.

- Evitante - Desculpem. Já vos tomei tempo demais. Eu sei que não mereço. Não vos deveria ter ocupado tanto tempo inutilmente apenas para vos enviar beijos patológicos... Desculpem.

[dsm beijo-de-mulata #3] beijos do cluster b

- Anti-social - Desde a adolescência que beija muito, como quer e bem lhe apetece, não tendo mesmo escrúpulos em enviar falsos beijinhos.

- Borderline - Envia inúmeros beijos curtos, mas muitíssimo intensos, cada dia para um sítio diferente (sky is the limit). Sempre à procura de emoções fortes, muitas vezes dedica-se a desportos radicais, como os beijinhos saltitantes (beiji-jumping).

- Histriónico - Beija sempre. Mas só da boca para fora.

- Narcísico - Envia beijos fantásticos, mas só àqueles que admira. Unicamente esses o podem compreender. Tem inveja dos beijos dos outros e está frequentemente empenhado em fantasias de beijos perfeitos ou do beijo ideal. Luta arduamente para se tornar membro das instituições mais conceituadas de beijos de elite.

domingo, 27 de janeiro de 2013

[dsm beijo-de-mulata #2] beijos do cluster a


Perturbações do Cluster A

- O Paranóico - Nunca envia beijinhos. Qualquer beijo poderá constituir um pretexto a ser utilizado contra si para que o beijem também.
- O Esquizóide - Nunca envia beijinhos. Ele lá tem as suas razões.
- O Esquizotípico - Nunca envia beijinhos. Ou melhor... nunca envia beijinhos fisicamente. Mas, em espírito, envia um beijo de luz para expressar o quanto deseja que a aura do outro se ilumine e assim permaneça. Depois envia um conjunto de sete beijos para desfazer todo o mau-olhado que recai potencialmente sobre essa pessoa. Projecta-se no outro e acaba por se tornar no próprio recetor dos beijos. Duvida da eficácia dos seus próprios beijos para desfazer o mau-olhado que afinal é sobre si que acaba por recair. Entra em stress e envia um beijo em lá bemol para chamar ajuda. Tenta beijar o próprio cotovelo para transmitir o desespero à pessoa que lhe veio acudir (geralmente a mãe, que mais ninguém tem paciência; em casos mais graves vem a enfermeira), abraça a lista telefónica para pedir um copo de água e uma lima, mas deixa-a cair acidentalmente. A queda da lista é um indício muito forte de que alguém, algures, o quer beijar, pelo que tranca a porta para veicular a ideia de que pretende ficar só.
(Cluster B e C seguem em breve)

[dsm beijo-de-mulata #1] perturbações osculares



Não, o título não contém nenhum erro ortográfico... Estou mesmo aqui hoje para vos falar de perturbações osculares... Sim, é isso mesmo, beijos. Tanta gente a  falar de ósculos por todo o lado (supostamente em publicidade velada ao Magnum, valha-me Santo António do sentido oculto!), fez-me lembrar que também tenho uma palavra a dizer. Ultimamente ando um bocado maria-vai-com-as-outras, é certo, mas isto em princípio passa-me para a semana que eu sou mais maria-vai-ao-jardim-passear-o-menino-e-ver-as-vistas. Hoje apetece-me pegar no tema. Até porque sei que passam por aqui muitos estudantes de Medicina que podem aprender alguma coisa com o poço de sabedoria e virtude que é este mato.

Lição nº 1: através da leitura de mails e SMS, conseguimos diagnosticar perturbações da personalidade nos beijos. Por exemplo, alguém me enviou há tempos "beijocas gordas, escalfadas e encaloradas!" E não, o facto de ela estar no Brasil não era desculpa. Só porque lá estava muito calor. Tratava-se de um beijo histriónico, meus amigos, manifestamente encenado, exagerado e redundante!
Não pensem que estou a exagerar. Eu sei que é uma tendência natural de todos nós, por vezes, a de fechar os olhos a dolorosas e inegáveis realidades por pensarmos que são inócuas e auto-limitadas, mas a verdade é que nestas disfunções, caso sejam detetadas a tempo, é possível intervir precocemente e estimular beijos mais adaptativos, evitando círculos viciosos que podem levar a beijos potencialmente catastróficos.
Serve, portanto, esta série de posts para vos despertar para pequenos sinais que nos permitem distinguir um beijo normal e saudável, ainda que com alguns traços fora do comum, de um beijo manifestamente patológico.

(continua)

sexta-feira, 25 de janeiro de 2013

[comentários que valem um post] uma costela hipocondríaca

Conta-nos a Risota, a propósito do post sobre a hipocondria nos estudantes de Medicina e do comentário da Ruiva sobre os seus próprios gânglios linfáticos:

Uma vez descobri um alto no tórax e fiquei em pânico. Mas giro, giro foi que a médica das urgências também sentiu aquela espécie de quisto e não sabia do que se tratava. Como não se via nada no raio x pensou que talvez fosse um lipoma!  
- Oi?
- Isso mesmo! Um lipoma! E vamos lá fazer uma eco para ver se descobrimos do que é que se trata.
E eu peguei nos resultados e bati o pé à porta do consultório da minha médica de família (se é para receber notícias más que seja por uma cara conhecida).
OMG! O que ela gozou comigo! Estava eu aflitinha e ela diz-me com a maior das calmas: "Hummm estou a ver! Acha que é desta que morre? Ainda não! pelo menos eu não conheço ninguém que tenha morrido por ter costelas flutuantes!"
 
E foi então que, ao sorrir, me lembrei desta história, que há uns anos atrás nos valeu umas gargalhadas valentes no serviço de urgência...

P. S. - Se se revirem em qualquer das situações, não se sintam mal, por favor. Por mais doenças imaginárias que já tenham tido, lembrem-se: eu tive dez vezes mais durante o curso, a saber, cento e tal doenças ligeiras, quinze graves e dez fatais! Se mais alguém quiser partilhar uma boa história, a gerência deste mato agradece...

quarta-feira, 23 de janeiro de 2013

[comentários que valem um post] sobre a pêpa desta semana, um tal de henrique

[O título é da Maria Bê, nossa correspondente no Arizona, mãe de duas crias adoráveis e mulher de um fabuloso caçador de escorpiões.]
 
Diz Jorge Soares, vizinho deste mato e dono d'"O que é o jantar", a propósito da minha fúria de anteontem:
Tenho um filho hiperactivo. Durante muito tempo pensei como esse senhor: achava que a solução para o problema não eram os psicólogos e pedopsiquiatras. Apesar dos diagnósticos de hiperactividade, défice de atenção e dislexia, eu continuava a achar que o que ele precisava era de regras e mão dura, que o que tinha funcionado comigo, que era uma criança normal, também ia funcionar com ele.
Um dia acordei às cinco da manhã e cheirou-me a fumo, levantei-me e fui dar com ele a fazer uma fogueira debaixo do edredão. Nesse dia percebi que há coisas que estão mais além das regras, das sovas e dos castigos... e que não, que eu não ia conseguir resolver o problema, porque não é um problema que se resolva com educação, é uma doença e as doenças devem ser tratadas.
O texto não me estranha nada, por vezes falo da hiperactividade no meu blog e há sempre alguém que vem dizer algo parecido com o que diz este senhor, há muita gente que pensa como ele... infelizmente.
 
Mais achas para a fogueira aqui e aqui...

terça-feira, 22 de janeiro de 2013

[as melhores do serviço de urgência] ouvidos de mercador

Conta-me um amigo meu, médico de família na margem sul, sobre quem já vos falei a propósito deste post, que esta noite atendeu um senhor de meia-idade no serviço de urgência, queixando-se de uma dor no peito... O senhor ouvia tão mal que o meu colega a dada altura acabou por considerar comunicarem por escrito. Por fim, perguntou-lhe alguns dados, incluindo a profissão.

- Sou funcionário numa repartição.
- Ah, mas não tem dificuldade em compreender as pessoas?
- Sim, mas eu estou na parte das reclamações. As pessoas consideram-me muito profissional e muito controlado, mas é porque eu sou tão surdo que às vezes não consigo perceber se as pessoas estão a gritar ou a bocejar. Por isso, na dúvida, mantenho-me calmo e sempre me dei bem...

É a isto que se chama "fazer ouvidos de mercador"! (True story!)

segunda-feira, 21 de janeiro de 2013

[eu juro que ia ficar calada] mas ainda estou com o nervos!

Meus queridos amigos, eu sei que sou uma baby-blogger, uma mato-blogger, uma mozambique-blogger, uma portuguesa loira que está ironicamente prestes a tornar-se numa moçambicana mulata por usocapião (Armando Guebuza, mi aguardje!). Sou uma pessoa com bom feitio que acredita até à evidência última que a maioria das pessoas com quem se cruza tem boas intenções. Há poucas pessoas que me fazem zangar e ainda menos as que me conseguem enfurecer.

E não sou nenhuma santa, felizmente. Aliás, para que conste em ata, um dos primeiros posts deste mato e motto da minha vida assevera que "Todos os santos têm um passado, só os pecadores têm futuro."

Por isso estou espantada comigo mesma por ainda não me ter passado a fúria que me assolou quando li este artigo. Mas, sinceramente, a pediatra que habita em mim acordou e está chocada. E envergonhada. E dececionada. Eu, que nem conhecia o senhor que o escreveu. Continuo a não saber nada sobre ele para além do facto de que possui uma crónica no Expresso...

Eu até percebo a ideia geral. O autor pretendeu transmitir desagrado com a ausência de limites e incapacidade de contenção de alguns pais de hoje, mas adotou um discurso simplista e, na ânsia de demonstrar alguma utilização abusiva do termo médico de "hiperatividade", acabou por denunciar a sua própria falta de preparação para discutir o tema, evidenciando zero de documentação sobre o assunto. E zero de empatia para com os pais. Os comentários de alguns professores só me deixaram ainda mais triste ao constatar mais uma vez as dificuldades por que os pais têm de passar quando os filhos têm esse diagnóstico e confirmar mais uma vez que faço bem em recomendar-lhes que mantenham o diagnóstico para si e não o revelem aos professores porque o  preconceito é ainda enorme... Desculpem mas não consigo ficar calada. Nem como desabafo na mesa de um café eu seria capaz de tolerar este discurso.

domingo, 20 de janeiro de 2013

[welcome to mozambique] o som de áfrica...


 
Para todos os que, como eu, têm saudades e gostariam de estar neste momento no meio de uma dança e de uma harmonia como esta, só com batuques, vozes, língua macua e menear de ancas. Para os que não conhecem, apreciem o pulsar das gentes, a inesperada harmonia espontânea criada só com vozes e aprendam como se faz o "Elulu" (alarido) das mulheres (2:40). Bom domingo!
(Gurué, Zambézia)

sábado, 19 de janeiro de 2013

[comentários que valem um post] nódulos, tumores, cancros e afins...

 
Comentário ao post anterior escrito pela minha querida Ruiva-da-cidade-das-acácias, futura companheira de viagem à Gorongosa com o baby-de-mulata:
Sou historiadora, ou tento ser vá, mas lembro-me daquela vez em que fui a correr às urgências do hospital de Braga, certa de que tinha encontrado um nódulo no meu corpo, de tamanho enorme e seguramente já num estádio avançado de cancro... A médica que me atendeu, amorosamente auscultou, palpou, fungou e depois afastou-se com o seguinte veredicto e cara de seriedade total: "Parabéns, descobriu os seus nódulos linfáticos!... E deixe-me que lhe diga estão no sítio, de perfeita saúde e com as dimensões normais... Agora por favor diga-me como raio conseguiu descobri-los? É que nós temos tanta dificuldade para os encontrar por palpação, inclusivé nas crianças..."

sexta-feira, 18 de janeiro de 2013

[hipocondria] tão bom que já me tinha esquecido como era!



Durante o curso de Medicina, não há estudante que se preze que não tenha tido uma preocupação grave com a sua própria saúde, por curta que fosse, sobretudo no terceiro ou quarto ano, em que as doenças e os doentes começaram a surgir em catadupa nas nossas vidas.

Mas, como em tudo, há os que abusam. Eu fui uma delas. E desde cedo! Ao todo umas cento e tal doenças ligeiras, quinze graves e dez fatais! Ele era aneurismas da aorta abdominal, ele era cancros em vários orgãos e sistemas, ele era todo o tipo de doenças infecciosas e parasitárias, incuindo as que existem exclusivamente em locais recônditos de África ou da América do Sul. Recordo-me particularmente de uma insuficiência renal aguda no segundo ano, que durou dois dias, altura em que terminei de estudar o aparelho urinário e passei a ter uma azia de caixão à cova porque me meti (assim à maluca!) a estudar o aparelho digestivo. Recordo-me também de um linfoma no terceiro ano, que só passou com uma autoridade em Hematologia a dar um murro na mesa e dizer-me que não me fazia biópsia nenhuma porque não tinha indicação. Rezei por ele durante anos!

A verdade é que todos passámos por isso. E à medida que o tempo passava, os sintomas tornavam-se cada vez mais sofisticados e consistentes. Qualquer dormência que surgisse, seguia uma distribuição por dermátomos, as dores abdominais exacerbavam-se sempre à descompressão, como na apendicite aguda... Mas claro que tínhamos crítica. Claro que minutos ou, na pior das hipóteses, horas depois fazíamos o percurso mental inverso e desmontávamos os sintomas e somatizações. Riamos de nós próprios, que é sempre o melhor remédio. O problema é que também este processo falhava por vezes. Tenho inclusivamente uma colega que só se rendeu à evidência de que tinha mesmo uma apendicite aguda e não uma somatização (estávamos no estágio de Cirurgia II) quando chegou à fase de "ventre em tábua"...

Depois tudo passou, felizmente! Não tenho saudades, confesso. Muitos dos meus colegas ficaram alérgicos e não suportam doentes hipocondríacos. Eu, pelo menos, continuo sensível ao tema. E achei delicioso ler no outro dia a São João, que dizia com imensa graça: "Não sou hipocondríaca. Eu somatizo é muito!" E responde a Mariana, logo ali, com o mesmo sentido de humor: "Eu também nunca invento sintomas, tenho é muitos. E geralmente todos graves!" Benza-vos Deus, minhas queridas, que não há doença que vos resista à boa disposição!

quarta-feira, 16 de janeiro de 2013

[welcome to mozambique] os feiticeiros de tete

 
Ritual de Feitiçaria.
(África do Sul, foto daqui)

Vem de muito longe esta notícia partilhada pelo Professor. Deliciosa para mim! Mas sei bem que fica distante demais esta África profunda, de curandeiros, feiticeiros e médicos tradicionais. É quase inacessível à compreensão dos europeus não só o significado daquela pequena trouxa que se despenhou num quintal como também o tempo de antena absurdo dedicado à cobertura de uma notícia deste calibre, sem qualquer perspetiva crítica ou orientação etnográfica para o leitor. Os comentários são ilustrativos de que isto se passou mesmo em outro ponto do planeta...

Mas se alguém se interessar pelos fenómenos antropológicos de Moçambique, siga os links do Prof. Paulo Granjo (Antropocoiso para os amigos).

[ganhar forças e coragem] destino moçambique

Lido no mural da minha amiga que vai brevemente em voluntariado para Moçambique.

Parafraseando São Francisco:
Senhor, fazei-me instrumento da vossa messe.
Onde houver desidratação, que eu leve agua purificada e soros;
Onde houver fome, que eu leve pão;
Onde houver dor, que eu leve ao menos um paracetamol;
Onde houver febre, que eu leve testes rápidos de malária e quinino;
Onde houver desespero, que eu leve a esperança;
Onde houver crianças, que eu leve rebuçados;
Onde houver sordidez, que eu leve sabão.
Onde houver lepra, que eu leve tratamento e muita paciência;
Fazei que eu procure mais:
Consolar os ostracizados, que ser consolada pela impotência perante a vontade dos antepassados;
Compreender as doenças tradicionais, que ser compreendida pelos curandeiros;
Amar, que ser amada.
Pois, é dando tudo isto que se recebe a maior riqueza do nosso mundo.
 
Que oração tão bonita e que atitude tão positiva... Força, linda! Não sabes no que estás metida, é certo, mas se alguém soubesse o que quer que seja de antemão nunca arriscaria sequer o canal do parto, quanto mais uma viagem para outro mundo com um bilhete só de ida... Mas vai em frente, que tenho a certeza de que vale a pena!

segunda-feira, 14 de janeiro de 2013

[a nova seleção de esperanças] destino moçambique!

 
A represa da Namaíta.
(Nampula, Moçambique)
 
Tenho uma amiga que vai partir em missão para Moçambique dentro de pouco tempo. Ou pelo menos assim o esperamos, que as burocracias são terríveis, lentas e imprevisíveis. E são muitos os chamados, mas poucos os escolhidos...
 
Vai para um lugar mágico, lindíssimo, próximo de Nampula, a Namaíta. Foi em tempos local onde se albergaram todos os leprosos de uma província, desterrados da família e dos antepassados, doentes de medo e de vergonha. Pobres de tudo, sobretudo de si mesmos. Muitos sucumbiram ao nojo e ao luto da própria vida. Outros reconstruiram a vida naquela paisagem de sonho, cultivaram campos, construiram casas, geraram filhos. Até que a guerra civil democratizou a vergonha e a morte em plena vida. Ter guerrilheiros e bandidos na família, parentes em parte incerta, mortos em desonra longe da terra dos antepassados, talvez tudo isto fosse tão mau como ser leproso. Deixou de haver leprosarias porque, pura e simplesmente, deixou de haver organização para desterrar os doentes e afastá-los das famílias. 
 
Mas ainda hoje a Namaíta é sinónimo de doença e não tanto de ostracismo. Ainda hoje quase todos os residentes são filhos ou netos de ex-doentes. São sensíveis ao tema. Gostam de ajudar os atingidos pela doença que teima em não abandonar aquele chão. A minha amiga não vai só para lá, como é óbvio, porque é o local onde vai ser menos necessária: lepra sem estigma é menos lepra! Mas é certamente lá que vai retemperar forças quando encontrar um homem são a apertar a mão sem medo nem nojo a um doente... E sim, meus amigos, perceberam bem: há lepra em Moçambique.

sábado, 12 de janeiro de 2013

[deve ser pecado] janela indiscreta...

Deve ser pecado partilhar ainda mais isto convosco, valha-me São Paulo do cavalo bravo... Mas não não vou deixar de o fazer... Como dizia um padre amigo meu, não preciso de ir para o céu, que os meus amigos também não vão para lá! Ontem tive uma surpresa agradável quando uma amiga me ligou a dizer que fosse depressa ouvir a Antena 1. Não fui, que o baby-de-mulata estava a acordar do seu sono de beleza. Mas ouvi depois em Podcast. Obrigada, Pedro Rolo Duarte!

Bom fim de semana!

sexta-feira, 11 de janeiro de 2013

[vozes brancas*] dar e receber...


Ontem, a propósito de um dia muito importante que se avizinha, o diretor da minha ONG foi convidado para falar numa escola, a pedido dos alunos de uma turma do 3º ano. Eles estavam sobretudo interessados em saber como era a vida em África, que doenças tratávamos, como eram as escolas, as casas, os transportes, a internet... Em que consistiam os projetos.

Por fim, houve um que lhe perguntou como poderiam ajudar também e ele respondeu que poderiam ficar com um mealheiro da ONG e recolher pequenas contribuições de familiares, amigos e vizinhos. "Porque ninguém é tão pobre que não possa ajudar com a moeda mais pequenina."
- E ninguém é tão rico que não possa também receber - apressou-se a acrescentar a professora.

Nisto, o tal aluno, com pouco mais de 8 anos acrescentou, meio pensativo:
- Nem ninguém é tão feliz que não precise de dar alguma coisa...

Fiquei derretida e impressionada com a clarividência desta frase...

* Timbre da voz das crianças antes da puberdade.

quinta-feira, 10 de janeiro de 2013

[educar para o futuro] resiliência e esperança...


 
A decisão de batizar o meu filho nem sequer foi ponderada, foi sempre algo de evidente que soube que iria fazer desde sempre... Porque é bonito e estruturante o sentido que a fé pode dar à nossa vida. Se ele depois optar por não ser praticante ou mesmo crente, será uma decisão dele... Agora tornar-se sócio do Sporting é coisa que só o deixarei fazer já com os 18 anos feitos e depois de me provar que tem maturidade, auto-estima e resiliência suficientes para aguentar com esperança as provações diárias de um adepto.

quarta-feira, 9 de janeiro de 2013

[vozes brancas*] desfazer o presépio...



E para terminar com um sorriso esta quadra de Natal, no dia em que conto desfazer o presépio (três andares de figuras de barro resistiram, miraculosamente intactos, ao fervor exploratório do baby-de-mulata e de Baby M.!), conto-vos novamente a história de um menino com três anos e meio que veio à minha consulta muito zangado por estar ali, tentando a custo esconder-se encolhido atrás da sua mãe, desgraçadamente uma mulher elegante e estreita, sem umas ancas que lhe pudessem servir de escudo contra aquele ser ameaçador de bata branca que muito a despropósito lhe sorria. O que ele não teria dado para que a mãe usasse uma saia larga que lhe servisse confortavelmente de teto de abrigo... A consulta decorria:

- E então, ele agora já fala melhor? Da última vez ainda tinha dificuldade na articulação dos sons sibilantes.
- Ui, se fala, Doutora, bem demais!
- Então?
- Ai, nem queira saber, no outro dia foi a babá que o foi buscar ao colégio e passou uma vergonha no autocarro!
- Pois... ainda não há muita crítica nesta idade... Mas o que foi que aconteceu?
- Bem, eles iam a passar pela embaixada da Índia e entrou um senhor com um turbante enorme, com uns brilhantes e uma roupa assim muito colorida e ele ficou entusiasmadíssimo a apontar para ele e a dizer muito alto: "Carla, está ali um rei!" e ela: "Sim, sim, querido, chiu, mais baixo." e tentou distraí-lo, mas ele continuava cada vez mais alto porque ela não lhe ligava: "Carla, olha, olha para ali, está ali um rei!"
- Ahaha, lindo...
- Ela já nem sabia onde é que se havia de meter, porque estava toda a gente a olhar e a rir e o senhor muito encavacado... E ela: "Sim, querido, já vi. E o que é que fizeste hoje na escola?" E ele já completamente em euforia: "Carla, mas tu não estás a olhar! Está ali um rei! Eles foram levar presentes ao menino Jesus! É o Belchior!"

* Timbre da voz de uma criança antes da puberdade.

domingo, 6 de janeiro de 2013

[eu não mereço, eu sei] mas soube tão bem...

A Sónia Morais Santos, jornalista de mão cheia e uma força de trabalho impressionante, autora do blogue "Cocó na Fralda", como obviamente saberão (até porque com grande probabilidade vieram cá dar a partir dele), escreveu um artigo sobre esta apaixonada pelo mato moçambicano nas Selecções do Reader's Digest, a revista que eu lia quando era mais nova e que me ensinou tanta coisa. Julgava-a extinta, calculem...

Não sei como foi que ela, só com notas tiradas à mão, sem gravador, escreveu aquilo que eu disse, textualmente!, e ainda interpretou o que eu não disse mas gostaria de ter dito... Até fiquei com vontade de conhecer aquela senhora que descreve. Não devo ser eu, certamente. Mas soube mesmo bem.

P.S. - Antes que perguntem, o vestido, que eu adoro, é feito com panos africanos, mas infelizmente não foi feito em Moçambique. Foi comprado em Londres, no Spitalfields Market a uma tiazoca bem disposta.

sábado, 5 de janeiro de 2013

[sabes que és demasiado loira quando...] cruzamentos

 

Sabes que és demasiado loira quando...

... num cruzamento daqueles com múltiplas entradas, quando os teus olhos batem nos de um homem que vem da direita, és tu que passas primeiro, contra todas as regras, porque "és uma senhora".

Não me interpretem mal, não sou suicida! Sou só loira (ou distraída, vá). E pior: agora que penso nisso, acho que nunca nenhum homem protestou, ou já teria notado há mais tempo que isto me acontece... Provavelmente no inconsciente dos homens passa-se algo de parecido. A minha teoria (construída agora à pressão) é que todos sabemos as regras do código da estrada. Mas quando os olhos se cruzam, prevalecem as regras da boa educação. Ou isso ou tenho tido muita sorte.

Bom fim de semana!

sexta-feira, 4 de janeiro de 2013

[olha, também há babyshower blogosférico por aqui] obrigada, bê!



"In the light of the moon, a little egg lay on a leaf."

Começa assim o maravilhoso clássico para crianças que a minha querida Maria Bê, exímia caçadora de escorpiões americanos, uma mulher que se lembra de todo o tipo de cenas e acha isso um defeito, mãe de duas crias maravilhosas, enviou do Arizona para o meu baby-de-mulata! Ele adorou! Baby M., o seu primo pseudo-gémeo também não desgrudou do livro o dia todo. Com toda a propriedade, diz Maria Bê que foi esse o primeiro livro da filha mais velha. Eu digo que foi com este livro que descobri que o baby-de-mulata sabe contar até cinco!

Desde então tenho-lhe cantado a música da borboleta para dormir:
 
Borboleta, borboleta
D'asa às cores e cara preta
Tu já foste uma lagarta
Verde e gorda, feia e farta...
 
Claro que ele, como futuro homem de barba rija que se preze, ao terceiro verso começa a gritar: "Não, não! O popó!" (Prefere a música do popó, humpf, como é possível?!) Mas é uma questão de tempo e de não perder o ritmo... Obrigada, Bê!

quarta-feira, 2 de janeiro de 2013

[de coração aberto] 2013...

 
Pescadores na madrugada...
(Praia das Chocas, Nampula)
 
 
Pelo sonho é que vamos,

comovidos e mudos.

Chegamos? Não chegamos?

Haja ou não haja frutos,

pelo sonho é que vamos.

Basta a fé no que temos.

Basta a esperança naquilo

que talvez não teremos.

Basta que a alma demos,

com a mesma alegria,

ao que desconhecemos

e ao que é do dia a dia.

Chegamos? Não chegamos?

- Partimos. Vamos. Somos.

Sebastião da Gama (1924-1952)