segunda-feira, 19 de julho de 2010

[a mulher leprosa] tirar a burka ao fim da noite



Nessa noite pedi à Irmã Lurdes para me levar a visitar a mulher leprosa... Não me saía da cabeça a forma como se cobria com aquela burka, como se a vida tivesse terminado e não houvesse lugar para si no mundo... Depois de jantar pegámos na lanterna e fomos até casa dela, num dos bairros em torno da missão. A Irmã Lurdes levava-lhe uma manta, porque as noites tinham arrefecido e duas barras de sabão - autênticas preciosidades na savana, que a iriam deixar certamente muito feliz. Eu, num rasgo de intuição, tinha resolvido oferecer-lhe os meus brincos e levar-lhe um espelho, para ver se um presente e um pouco de vaidade feminina lhe poderiam consertar a auto-estima dilacerada pela doença...

No bairro, as vizinhas que ainda estavam na rua a conversar à porta de casa, alumiadas por uma fogueira que servira para cozinhar a ceia viram-nos passar e riram maldosamente de inveja, comentando em voz alta em Macua qualquer coisa que percebi ser a respeito de mucunhas* a visitar justamente a casa da leprosa.

Batemos à porta da palhota, mas ninguém respondeu. Já estaria a dormir? Entrámos e apenas vimos duas crianças a dormir**, deitadas sobre uma esteira meio desfeita, num compartimento único e desolado, em que o conteúdo se resumia a uma peneira, um cesto com roupa, duas panelas de barro e uma pequena lamparina. Demos a volta à casa para procurar a nossa doente e foi então que nos deparámos com uma imagem enternecedora: à pálida luz da lua, a senhora retirara o pano com que ocultava o rosto e, escondida de tudo e de todos, olhava a própria face reflectida num pedaço de espelho e enfeitava-se com flores... Suspirei de alívio. Havia esperança para ela!
* brancas
** uma delas é actualmente minha afilhada à distância. Chama-se Fresquinha, não acham o nome delicioso?

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