domingo, 11 de julho de 2010

[madrugada em iapala] nascer na missão


(Continuação de ontem...)

– Parabéns, mamã! É um rapaz lindo! Como é que se vai chamar?
 – Não! Há-de chamar...
– Como?
– Pois, Doutora – repreende-me a D. Catarina – os bebés não podem ter nome antes de nascer. Até podem morrer! Só depois de nascer se pode fazer o enxoval e dar nome, antes não.

(Estou sempre a pôr o pé na poça, credo... Mas mais uma vez faz sentido o que já me tinha explicado a Irmã Lurdes: na cultura macua o conceito de futuro é tabu. O futuro é propriedade dos antepassados e fazer planos pode ser uma intrusão num terreno interdito, um terreno que não pertence às pessoas e a falta pode ser gravemente punida...)

Bem, já que não percebo a cultura, tenho de me preocupar com as coisas que sei fazer. Inspecciono a placenta, que veio intacta, o útero também está bem contraído, graças à oxitocina e à ONG alemã – e não há sinais de hemorragia grave.

Mas agora tenho de me ir deitar urgentemente, antes que me demova de vez a perspectiva de voltar a atravessar o caminho para casa, escrutinando o terreno com a lanterna. Antes que o momento de magia que acabei de viver me invada totalmente e me faça fazer qualquer coisa completamente louca, como ficar a dormir aqui mesmo, ao relento nesta noite fantástica, no chão da varanda do hospital juntamente com os familiares dos doentes, invadida pelo cheiro intenso da savana e adormecer a olhar a paisagem das estrelas e das montanhas a arder aqui e ali.

Quando chego à casa da Missão cruzo-me com as Irmãs que já se levantaram para rezar as Laudes na capela.
– Era rapaz não era? – perguntam.
– Sim, nasceu um rapaz agora mesmo, como é que sabem?
– Pelo alarido que até aqui se ouviu... só podia mesmo ser o nascimento de um rapaz!

(E ainda o dia acabou de romper...)

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