Olhei bem mais no
fundo dos olhos daquela mamã e, tempos depois, também de outras mães com
crianças em agonia. Para lá da passividade, do olhar que parecia imperturbável,
para lá do eterno sorriso, vi um desespero, uma amargura, um quase abandono.
Claro que não podia ser indiferença! Perguntei-lhe:
– Quantos filhos tem,
mamã?
– Quatro...
– E quantos estão vivos?
– Este só...
Que coração tão
maltratado... E o seu único filho, o seu “menino de ouro” em risco de morrer
ali mesmo, longe de casa… O seu olhar escurecia ainda mais de vez em quando. Mas
havia que continuar. A batalha estava longe de estar ganha. Ele continuava com
diarreia a cada cinco ou dez minutos, sem sinais de abrandar. Eu parecia uma
bomba infusora, mas mais persistente do que eu era o menino que, apesar de
prostrado, continuava a abrir a boca e a beber tudo o que eu lhe dava. Mas era
hora da sesta. Tinha de o deixar descansar pelo menos uma hora, ou acabaria por
ficar exausto. Disse à mãe para o colocar ao peito para o adormecer e deixá-lo
dormir um pouco. Saí por um instante da enfermaria. Precisava de ir a casa
levar os panos do menino para mandar o empregado lavá-los com água a ferver,
não fosse alguma mulher mais diligente lembrar-se de os ir lavar ao rio…
Encontrei a irmã Lurdes no caminho, que vinha visitar-me. Achou muito bem a
minha iniciativa de impedir que os panos fossem lavados no rio.
– E como está o menino?
– Ainda… – respondi,
sorrindo, com sotaque moçambicano.
– Mas nem sequer um pouco
melhor?
– Hum… nem por isso…
– Bem, há que ter
paciência, amiga, não desistas. Mas é estranho… já lhe deste antibiótico?
– Sim, ontem…
A Irmã Lurdes tinha razão.
Ele já era para estar a melhorar, ou pelo menos era o que diziam os meus
livros… eu sei que os doentes não estudam por tratados de Medicina, mas que era
estranho lá isso… Pois… se calhar era preciso começar do início e rever o que
podia ter corrido mal. Sim, estamos em Moçambique e tudo o que puder correr mal
vai mesmo correr mal. As leis de Murphy podiam ter sido inventadas aqui. Pois
é… lá terá que ser… Vamos a isso:
[Primeira lei de Murphy:
se o aparelho não funciona, teste a tomada.]
– O enfermeiro ontem deu
medicação ao menino? – pergunto à mãe.
– Sim, tomou. Ontem.
[Segunda lei de Murphy: se
mais do que uma coisa puder correr mal, correrão todas mal ao mesmo tempo.
Hummm... Se calhar então tem mais qualquer coisa... Malária, por exemplo,
embora o teste tenha sido negativo.]
– Ontem ou esta noite teve
febre?
– Nada, não teve.
– Tosse?
– Nada, não tosse.
– Queixou-se de alguma
dor?
– Não.
[Terceira lei de Murphy:
se duas coisas puderem potencialmente correr mal e você conseguiu evitar ambas,
então ocorrerá invariavelmente uma terceira, muito mais complexa... Bem, tenho
de ir ver o que se passa.]
(continua...)
É melhor você dar o antibiótico.
ResponderEliminarAcho que não deram não....
Maria Tereza