sábado, 19 de maio de 2012

[outras palavras] as batidas ao leão


Foto de leão da Gorongosa... Daqui.


(continuando...)

Algumas destas aldeias e vilas remotas, perdidas no mato, têm vindo a ser flageladas pelos leões. As pessoas só se deslocam em grupos e de dia, as casas têm altas cercas, e há mesmo aldeias abandonadas pelos habitantes que se concentram nas sedes, como pude constatar.

Nos meses anteriores à nossa passagem por Mocímboa, haviam os leões morto 47 pessoas confirmadas, segundo relato e informação das autoridades, que recebiam estas queixas. E os elefantes ainda eram piores, pois comendo e destruindo as lavras semi-abandonadas pelos seus cultivadores, refugiados nas aldeias maiores pelo medo ao leão, ameaçavam provocar a fome nesta região. Foi nesse sentido que solicitaram ao meu amigo Manuel Carona que os localizasse e abatesse! A carne seria da população e o marfim recolhido pelo serviço da fauna, numa medida de gestão de super-abundância.

Durante as nossas deambulações na região, atrás dos elefantes, começaram, a partir de certa altura, a contar-nos episódios com leões! Víamos as suas pegadas em volta das habitações, seguimo-los no mato e contactámos directamente com a morte de um rapaz, naquilo que pode ser viver, realmente, no mato.

No último dia em que fomos tentar perseguir um leão agressor, tendo saído de noite, regressámos à casa na praia ao fim da manhã, frustrados, cansados e aborrecidos pelo insucesso e dificuldade da empresa num mato muito cerrado com chão seco, duro e cheio de folhas, onde o leão não deixa rasto. A melhor prática era a visita regular e de madrugada às carcaças dalgum elefante abatido, donde todavia não comiam senão os macondes, (os macuas islamizados não comem elefante) mesmo depois de esta já estar bem "maturada", com oito dias de exposição e larvas aos metros cúbicos, cujo cheiro se sentia a 300 metros.

- "Maconde come tudo o que não lhe dá os bons dias”, dizem os macuas!

No caminho, por razões alimentares e para júbilo do Sverenga, um caçador local, fiz com a .458 um doble aos facocheros que sendo muito abundantes também causam prejuízos nas culturas, por sinal um deles bem bom de dentes! Quando chegámos a casa, encontrámos ali um jovem casal europeu no melhor estilo “eco-hippie-ONG”, típicamente ataviados de lenços e camisas largas indianas, sandálias e mochila, ela de farta cabeleira crespa apanhada, cheia de missangas, búzios e ornamentos como uma selvagem urbana, e ele de cabelo e barba curtos mais os fatais óculos redondos de armação em metal. Não percebemos quem eram ou de onde vinham mas andavam a passeio segundo diziam. Ela falava em francês, ele num português com sotaque abrasileirado. Após confirmarem que os poderíamos albergar e alimentar, a rapariga, pálida, reprovadora e julgo que não vegetariana porque depois e talvez por caída na realidade de onde estavam e não haver por ali restaurante nem supermercado fez-se ao bife dos facos, inquiriu imediatamente com a desfaçatez de quem se julga dono do mundo, porque é que “estávamos a matar animais”? O Manel Carona, com pouca paciência, resumiu o que se estava a passar. A jovem trocou imediatamente o ar seguro de missionária convicta por uma expressão de pânico, e perante confirmação das pessoas que ali se encontravam, declarou decidida ao companheiro que acabava ali o passeio e não abandonaria as paredes do pátio nos dois dias em que ficariam à espera da boleia de regresso. Nós, os "maus", partimos naquela tarde para Montepuez.

(continua...)

Kharamu - O Leão Ruge em Moçambique
in Revista Calibre 12, 2001
António Luiz Pacheco

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