Um leão na Gorongosa...
(Parque Nacional da Gorongosa, Sofala)
(continuando...)
Que distância vai do computador onde isto é escrito às estradas poeirentas onde aquilo acontece!
Moçambique sempre foi país de leões e comedores de homens, sobretudo nas províncias do Norte além-Zambeze. Terra onde as lendas se cruzam com a realidade, pela dureza do dia-a-dia nestas paragens onde ainda se vive na e da natureza e o passado se mistura com o presente.
Nas zonas rurais do Norte, na província de Cabo Delgado e vizinhas, vive-se como sempre se viveu em África: a população junta-se em pequenos povoados, aglomerado de palhotas, todavia limpas, perto de uma fonte, rio ou poço de água. Em volta fazem as suas "machambas", terras que a poder de fogo, catana e enxada, são limpas de mato e onde cultivam sobretudo mandioca e um cereal, a mapira, base da sua alimentação.
Espalham-se estas aldeias e lugares por vasta área, em volta de uma maior que é a sede, onde haja escola, eventualmente posto comercial ou se faz comércio a céu aberto. Ligam-se entre si por caminhos de pé-posto, sendo as povoações principais servidas por picadas, onde circulam raros camiões ou carrinhas transportando alguma gente e mercadorias, ao sabor da existência de combustível e matérias de troca, mas na maior parte, tudo se faz andando e carregando à cabeça, ou de bicicleta os mais afortunados.
A vida é regida pelo nascer e pôr-do-sol, ao ritmo das estações seca e chuvosa, entre as lavras e a pesca, de onde obtêm parco sustento e o pouco mais de que precisam.
São muito pobres, conseguindo porém não ser miseráveis, pois a sua atitude é a de gente simples, conseguindo sobreviver, duramente e com muito pouco. São gente remota e esquecida, aldeãos do mato, sem electricidade, assistência médica, nem as mais elementares comodidades como mobília ou água corrente, que sabem fazer arcos e flechas para caçar "cacas"(galinhas-do-mato), “ipálas” (cabras-do-mato) ou "pacos" (facocheros); que sabem fazer cordas de tiras vegetais para armar laços e redes; sabem caçar, pescar, colher mel e plantar. Navegam nos seus barcos à vela ou canoas a remo, tecem esteiras, constroem secadores, vedações e casas, trabalham o ferro para as suas ferramentas, talham e esculpem madeira... estão no seu elemento.
Mas do seu elemento faz também parte o leão!
Vivem com ele e a ele pagam tributo, o tributo que outros pagam às minas, às balas, às doenças, aos acidentes rodoviários e outras violências quando trocam a aldeia limpa pela cidade imunda onde pedem esmola ou vivem outras servidões de miséria.
(continua...)
Kharamu - O Leão Ruge em Moçambique
in Revista Calibre 12, 2001
António Luiz Pacheco
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