sexta-feira, 18 de maio de 2012

[outras palavras] o tributo ao leão...


Um leão na Gorongosa...
(Parque Nacional da Gorongosa, Sofala)
Foto daqui. Para um vídeo sobre os leões da Gorongosa, podem também ir ali.

(continuando...)

Que distância vai do computador onde isto é escrito às estradas poeirentas onde aquilo acontece!
Moçambique sempre foi país de leões e comedores de homens, sobretudo nas províncias do Norte além-Zambeze. Terra onde as lendas se cruzam com a realidade, pela dureza do dia-a-dia nestas paragens onde ainda se vive na e da natureza e o passado se mistura com o presente.

Nas zonas rurais do Norte, na província de Cabo Delgado e vizinhas, vive-se como sempre se viveu em África: a população junta-se em pequenos povoados, aglomerado de palhotas, todavia limpas, perto de uma fonte, rio ou poço de água. Em volta fazem as suas "machambas", terras que a poder de fogo, catana e enxada, são limpas de mato e onde cultivam sobretudo mandioca e um cereal, a mapira, base da sua alimentação.

Espalham-se estas aldeias e lugares por vasta área, em volta de uma maior que é a sede, onde haja escola, eventualmente posto comercial ou se faz comércio a céu aberto. Ligam-se entre si por caminhos de pé-posto, sendo as povoações principais servidas por picadas, onde circulam raros camiões ou carrinhas transportando alguma gente e mercadorias, ao sabor da existência de combustível e matérias de troca, mas na maior parte, tudo se faz andando e carregando à cabeça, ou de bicicleta os mais afortunados.

A vida é regida pelo nascer e pôr-do-sol, ao ritmo das estações seca e chuvosa, entre as lavras e a pesca, de onde obtêm parco sustento e o pouco mais de que precisam.
São muito pobres, conseguindo porém não ser miseráveis, pois a sua atitude é a de gente simples, conseguindo sobreviver, duramente e com muito pouco. São gente remota e esquecida, aldeãos do mato, sem electricidade, assistência médica, nem as mais elementares comodidades como mobília ou água corrente, que sabem fazer arcos e flechas para caçar "cacas"(galinhas-do-mato), “ipálas” (cabras-do-mato) ou "pacos" (facocheros); que sabem fazer cordas de tiras vegetais para armar laços e redes; sabem caçar, pescar, colher mel e plantar. Navegam nos seus barcos à vela ou canoas a remo, tecem esteiras, constroem secadores, vedações e casas, trabalham o ferro para as suas ferramentas, talham e esculpem madeira... estão no seu elemento.

Mas do seu elemento faz também parte o leão!

Vivem com ele e a ele pagam tributo, o tributo que outros pagam às minas, às balas, às doenças, aos acidentes rodoviários e outras violências quando trocam a aldeia limpa pela cidade imunda onde pedem esmola ou vivem outras servidões de miséria.

(continua...)

Kharamu - O Leão Ruge em Moçambique
in Revista Calibre 12, 2001
António Luiz Pacheco

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