A beber soro...
(Iapala, Nampula)
(continuando...)
Ao fim do dia o menino já
estava melhor. Ainda não tinha forças para se sentar, mas começou a pedir
comida e já tinha conseguido comer um pouco de arroz e feijão. Ia ser uma noite
mais tranquila para mim.
Pouco dias depois, o
menino estava pronto para ter alta. O avô veio ter comigo: “Irmã, menino está
vivo, graças a Deus!” Eu estava, se possível, ainda mais grata. Estava feliz
porque tinha conseguido impedir que o único filho daquele casal morresse e
porque tinha aprendido muita coisa com aquela família. Só agora, por fim,
compreendia que o facto de o avô me ter dirigido a palavra e se ter disposto a
expor-me os seus pontos de vista, tinha sido afinal um momento raro e
extraordinário. Mais do que um confronto, mais do que um pedido de explicações,
mais do que o questionar do tratamento e dos meus métodos, o que ele me tinha
vindo fazer tinha sido um voto de confiança. Foi assim que a irmã Lurdes
interpretou a conversa que depois lhe relatei. Ele fizera-o certamente e apenas
porque tinha percebido que eu me interessara pelo neto e soubera que eu tinha
ido visitar o menino várias vezes no dia anterior, até mesmo durante a noite, e
insistido no tratamento. De outro modo teria fugido com a família assim que eu
voltasse costas, sem me dar qualquer explicação e o menino teria morrido.
Nas semanas seguintes
passou a ser muito mais fácil tratar as crianças com diarreia grave. Graças
àquele avô, eu tinha percebido alguns vícios de raciocínio enraizados na
cultura macua e comecei a conseguir antecipar algumas dificuldades. E depois,
havia um outro fator facilitador: é que as mães, quando entravam na enfermaria
viam sempre uma ou outra mãe a dar soro aos filhos com um sorriso nos lábios e
certamente falavam umas com as outras, portanto, era muito mais fácil
convencê-las de que o soro não era “choro”, que as crianças choravam porque
queriam mais e que não era o soro que provocava a diarreia. Também nunca mais
houve fugas durante a noite…
Achei encantadora a história deste menino. E também muito triste, porque demonstra a vulnerabilidade da vida humana e, sobretudo, das crianças, em África. Não que já não o soubesse, mas estes relatos aproximam-nos dessa realidade. A 'facilidade' com que se vive ou morre é estonteante.
ResponderEliminarM Silva
Obrigada, M. É uma das coisas que me deixa absolutamente estupefacta em Moçambique. É curioso como eu própria já disse essa frase pelas mesmas palavras! Mas também é isso que vicia... Porque às vezes basta um dia estar no sítio certo à hora certa e faz-se a diferença...
ResponderEliminar(um) beijo de mulata
Gostei muito do "folhetim" (porque é servido aos pouquinhos e ficamos a torcer pelos doentes e por si!). Fico muito contente por tudo acabar em bem. Bjs.
ResponderEliminarPronto...ainda bem. As experiências positivas costumam se irradiar e mudar a postura das pessoas.
ResponderEliminarAcredito que cada vez será mais fácil amealhar a confiança deste povo.
Parabéns pelo seu trabalho.
Maria Tereza