domingo, 13 de maio de 2012

[iapala] a convalescença...


 A beber soro...
(Iapala, Nampula)


(continuando...)

Ao fim do dia o menino já estava melhor. Ainda não tinha forças para se sentar, mas começou a pedir comida e já tinha conseguido comer um pouco de arroz e feijão. Ia ser uma noite mais tranquila para mim.

Pouco dias depois, o menino estava pronto para ter alta. O avô veio ter comigo: “Irmã, menino está vivo, graças a Deus!” Eu estava, se possível, ainda mais grata. Estava feliz porque tinha conseguido impedir que o único filho daquele casal morresse e porque tinha aprendido muita coisa com aquela família. Só agora, por fim, compreendia que o facto de o avô me ter dirigido a palavra e se ter disposto a expor-me os seus pontos de vista, tinha sido afinal um momento raro e extraordinário. Mais do que um confronto, mais do que um pedido de explicações, mais do que o questionar do tratamento e dos meus métodos, o que ele me tinha vindo fazer tinha sido um voto de confiança. Foi assim que a irmã Lurdes interpretou a conversa que depois lhe relatei. Ele fizera-o certamente e apenas porque tinha percebido que eu me interessara pelo neto e soubera que eu tinha ido visitar o menino várias vezes no dia anterior, até mesmo durante a noite, e insistido no tratamento. De outro modo teria fugido com a família assim que eu voltasse costas, sem me dar qualquer explicação e o menino teria morrido. 

Nas semanas seguintes passou a ser muito mais fácil tratar as crianças com diarreia grave. Graças àquele avô, eu tinha percebido alguns vícios de raciocínio enraizados na cultura macua e comecei a conseguir antecipar algumas dificuldades. E depois, havia um outro fator facilitador: é que as mães, quando entravam na enfermaria viam sempre uma ou outra mãe a dar soro aos filhos com um sorriso nos lábios e certamente falavam umas com as outras, portanto, era muito mais fácil convencê-las de que o soro não era “choro”, que as crianças choravam porque queriam mais e que não era o soro que provocava a diarreia. Também nunca mais houve fugas durante a noite…

4 comentários:

  1. Achei encantadora a história deste menino. E também muito triste, porque demonstra a vulnerabilidade da vida humana e, sobretudo, das crianças, em África. Não que já não o soubesse, mas estes relatos aproximam-nos dessa realidade. A 'facilidade' com que se vive ou morre é estonteante.
    M Silva

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  2. Obrigada, M. É uma das coisas que me deixa absolutamente estupefacta em Moçambique. É curioso como eu própria já disse essa frase pelas mesmas palavras! Mas também é isso que vicia... Porque às vezes basta um dia estar no sítio certo à hora certa e faz-se a diferença...

    (um) beijo de mulata

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  3. Gostei muito do "folhetim" (porque é servido aos pouquinhos e ficamos a torcer pelos doentes e por si!). Fico muito contente por tudo acabar em bem. Bjs.

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  4. Maria Tereza Estrabon Falabella17 de maio de 2012 às 04:42

    Pronto...ainda bem. As experiências positivas costumam se irradiar e mudar a postura das pessoas.
    Acredito que cada vez será mais fácil amealhar a confiança deste povo.
    Parabéns pelo seu trabalho.
    Maria Tereza

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