Leões da Gorongosa...
(Parque Nacional da Gorongosa, Sofala)
Foto daqui.
(continuando...)
O leão tem acompanhado a humanidade ao longo dos tempos, sempre como aquilo que é, um predador de topo que naturalmente impressionou homens e culturas.
Os primeiros hominídeos, aconchegados nos seus eventuais refúgios, terão tremido com o seu rugir nas madrugadas frias. Mais tarde, já poderosos caçadores, terão avivado as fogueiras nas cavernas e paliçadas, as mães puxado para si os filhos, pelo mesmo motivo: esse rugir, profundo e vibrante que parece viajar pelo chão e não pelo éter, na forma como ecoa em nós, trazendo-nos uma mensagem de morte violenta. A ameaça que encerra ainda hoje arrepia quem o escute ao vivo, seja na segurança de um cómodo lodge, seja numa tenda de campanha algures no mato, e leva-nos a passar a mão pelo frio aço da espingarda poisada ao lado, numa busca de consolo, comum ao do nosso longínquo antepassado.
O leão ocupa em África um lugar destacado, tanto na ecologia como no folclore. Os seus hábitos, poder físico e sobretudo o aspecto, de que se destacam o olhar e a voz, tornam-no sempre temido nas suas múltiplas relações com o homem, reservando-lhe também um lugar de relevo no nosso imaginário, bem patente na forma como é retratado na heráldica, tradição, no folclore, artes e tantas outras expressões desse fascínio, respeito ou medo!
Para quem, na comodidade de um sofá e com o frigorifico abastecido, o oiça e veja no ecrã‚ é fácil que o interesse se transforme em ideias que pouco têm a ver com a realidade de outros abrigados em casas de pau a pique, protecção que diariamente têm de abandonar para providenciar sustento e tratar da sua vida, movimentando-se dentro do território do leão… Para estes, qualquer deslocação seja para a escola, para a machamba, ir à água ou lenha, ir a uma consulta, ao peixe, à loja ou outra necessidade, implica jornadas de quilómetros e até dias, percorridos a pé, por caminhos do mato, acampando à sua beira e a céu aberto, por dentro de um vasto jardim zoológico sem vedações nem guardas, tão pouco armas de defesa eficazes... Imagine-se isto, ouvindo rugir o leão nas madrugadas e crepúsculos, cercados pela vegetação densa, sabendo que ontem ali, hoje aqui, foram apanhados um miúdo à porta da cubata, uma velha que foi à lenha, um retardatário no caminho...
(continua...)
Kharamu - O Leão Ruge em Moçambique
in Revista Calibre 12, 2001
António Luiz Pacheco
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