Mamã com menino...
(Iapala, Nampula)
(continuando...)
Já no hospital, em dois minutos, a história clínica ficou colhida e iniciou-se a terapêutica da malária cerebral. Diagnósticos definitivos só no fim, que nestes casos não há tempo a perder à espera de análises laboratoriais. Nem o Sr. Cachimo, o técnico do laboratório se encontrava no hospital àquela hora...
Dizem-me que a doença começou hoje e que não foram ao curandeiro. Neste caso resolvi acreditar porque a doença parece ter começado agora mesmo. A malária cerebral costuma ter um início violento e provavelmente vieram ao hospital porque era de noite e não iam acordar o curandeiro àquela hora. [Sim, que curandeiro é criatura imponderável, poderosa, com contactos privilegiados com os mortos e legitimidade para influir no destino dos vivos. Quem, no seu perfeito juízo, se arriscaria a ir perturbar o sono de semelhante autoridade?] Por isso achei que era razoavelmente seguro dar-lhe o dobro da dose de quinino na primeira toma, como está preconizado na malária grave. Quase nunca o faço porque sei que os curandeiros usam precisamente o quinino para tratar a malária [o quinino extrai-se da casca de uma árvore] e duvido que consigam controlar as doses que preparam. E, portanto, se eu administrar uma dose mais “generosa” isso pode levar a uma intoxicação fatal! Ou seja, mais uma vez se confirmaria a crença do povo de que o “hospital é sítio para morrer”, onde apenas se deve ir em último caso…
Mas já descobri um truque para perceber se tomaram esses medicamentos ou não, desde que não venham inconscientes: o quinino provoca uma surdez transitória, portanto tudo quanto tenho de fazer é perguntar aos pais se a criança costuma ouvir bem e depois, de repente, bater palmas com muita força para ver se a criança se assusta. Se não se assustar nem olhar é porque tomou quinino e tenho de ter cuidado com a dose que lhe dou...
O menino está sonolento por causa da medicação que eu lhe dei, mas o exame neurológico não está muito alterado. Este caso também há de correr bem! Agora não há mais nada a fazer a não ser esperar que a medicação actue e rezar para que o menino reaja favoravelmente...
Só depois de termos a veia canalizada e o tratamento a correr é que arranjamos um colchão para instalar o menino. Apesar de estarmos na estação seca, em que a taxa de hospitalização é mínima, as camas estão todas ocupadas e temos de o acomodar no corredor... E então na estação das chuvas as condições são ainda mais precárias: o número de doentes hospitalizados é tal que têm de dormir no parrô, um abrigo amplo, com telhado mas sem parede completa até ao tecto, cheio de correntes de ar e onde a chuva entra livremente… Nem quero imaginar o que é este hospital durante os surtos de cólera…
Demoro-me um pouco a escrever no processo e só quando saio do gabinete me apercebo de que um homem ainda jovem chora baixinho, ajoelhado à cabeceira do menino.
– O senhor é o pai?
– Não, esse menino é meu sobrinho.
Talvez compreenda Português, pensei.
– O menino não está em coma, está só a dormir por causa do medicamento que nós lhe demos para parar as convulsões.
Não deu sinais de me ter compreendido. Fui chamar o enfermeiro, que traduziu a minha explicação para Macua. O tio afinal tinha-me compreendido, mas não acreditava que o menino pudesse sobreviver. Expliquei-lhe que ainda era muito cedo para saber o desenlace, mas que era muito possível que o menino ficasse bem. Parou de chorar.
– Obrigado.
Nem por um momento deixou de fitar o menino...
(continua...)
Adoro estas histórias..espero ansiosa pelo desfecho!
ResponderEliminarParabéns mais uma vez pelo blog fantástico!
Obrigada, M, volte sempre... Esta história eu já contei aqui há uns tempos. Mas de outra maneira.
ResponderEliminar(um) beijo de mulata