Recordo-me de um jantar em Lisboa em que se armou uma enorme barafunda. Estávamos em casa de uma figura pública portuguesa que lamentou, com aparente sinceridade, aquilo que chamou de «corrupção endógena» dos africanos. Na mesa houve vozes que protestaram: porquê apenas dos africanos? A conversa azedou e rapidamente derrapou para contornos raciais. Um português, nervoso, tomou a defesa dos africanos e enfrentou a tal figura pública nos seguintes termos: Quer Vossa Excelência dizer que, por cá, não temos corrupção?Mia Couto in Revista África21
... Seguiram-se acusações graves que fizeram adiar o propósito do encontro que era provar aquilo que havia sido apresentado como uma refeição inesquecível. Coube-me atirar água sobre a fervura. Mas era bálsamo tardio. Já havia mágoas irreparáveis. Um jantar é sempre mais do que uma simples refeição.
Anos mais tarde um dos mais animados participantes do malogrado jantar, de visita a Moçambique, mostrou-me um artigo de capa de uma revista lisboeta. O título era claro: uma certa excelência parecia não escapar das acusações de corrupção que sobre ele há muito pesavam. Reconhece quem é este?
Reconheci. Era a mesma pessoa que se lamentava da corrupção em África. O visitante português sacudiu a revista sobre a cabeça como prova de antiga razão. E eu sorri.
Na verdade, um dos maiores desafios dos africanos é fazerem-se respeitar como pessoas individuais e como entidades coletivas. Um passado (será que passou?) de preconceitos assumidos e declarados deu lugar a uma envergonhada arrogância («nós», dizem os europeus, não somos como «eles»). Ontem era a História que apenas tinha residência fora da África. Hoje, quem mora fora é a Ética.
quinta-feira, 19 de janeiro de 2012
[outras palavras] olhar para dentro...
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