Iapala de manhã...
(Iapala, Nampula)
É manhã novamente. Arrefeceu muito durante a noite e, na cama morna, minutos antes da hora de levantar, o já meu conhecido linguajar pluvial dos coqueiros recria uma ilusão outonal, calma e reconfortante, de chuva branda num Sábado de manhã. Recompensa justa por uma noite sobressaltada. Uma chamada urgente do hospital a meio da noite por causa de um menino de oito anos que chegou em crise convulsiva com malária cerebral, trazido pela família já em desespero.
Apesar de o hospital ser mesmo em frente à casa das Irmãs, o medo que as pessoas têm dos cães que guardam a Missão teria decididamente impedido que me fossem chamar durante a noite. Mas a Irmã Lurdes, sempre criativa para ultrapassar estas pequenas dificuldades, lá desencantou um sistema simplesmente hilariante para contornar o pânico que os africanos têm dos cães sem pôr em causa a nossa segurança: dois apitos de árbitro de futebol, adquiridos em Portugal no Estádio do Benfica pendiam no hospital pregados à parede, prontos para qualquer eventualidade.
E esta noite tinha sido acordada pelo silvo impaciente do "Glorioso" expulsando-me da cama com cartão vermelho. Vesti-me rapidamente, um pouco às apalpadelas e saí para a rua de lanterna em punho, que apesar do luar é preciso ver bem onde se pisa, não fosse aparecer alguma cobra perdida no jardim...
[Aqui de nada serve a valentia dos que dizem não ter medo de animais rastejantes: ingenuidade! Não temos soro antiveneno no hospital – não existe em toda a província – e nem quero imaginar como é que faria a mim própria o desbridamento de uma ferida sem qualquer anestesia. Mas, vá, vamos à história, que deixámos o menino a convulsivar à porta do hospital, com a família a dizer, como habitualmente, que o menino está possuído pelos antepassados. O que vale é que enquanto vos falava de cobras lhe administrei um medicamento e a convulsão lá cedeu...]
(continua)
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