segunda-feira, 14 de novembro de 2011

[nampula] a história avança, finalmente...


O movimento nas ruas da cidade.
(Nampula)

Continuando a história, agora esclarecidos que estão [aqui e aqui] os motivos de tão improvável viagem...

Cheguei a casa das Irmãs em Nampula quase à meia-noite e fui direitinha para o quarto transformar-me em abóbora, que o dia seguinte ia ser duro. Era preciso comprar comida para o hospital de Iapala, medicamentos e produtos de higiene. Tudo coisas difíceis de encontrar, mesmo que pudesse contar com a ajuda das Irmãs, sempre prestáveis, mas também sempre cheias de trabalho. E ainda era preciso tentar encontrar a Inês. Quase me tinha esquecido dela no meio da confusão que tinha sido a viagem… Que se passaria com ela?

Adormeci meio despida, entre pensamentos e planos, para acordar novamente poucas horas depois, completamente desorientada, numa cama de lençóis revoltos, com a impagável cadela das Irmãs uivando quase ao meu ouvido, afinada em total consonância com o chamamento da mesquita em frente. Era uma "cadela muçulmana", como diziam as Irmãs... Enfim, mais uma alma perdida para o céu de São Pedro!
 
Levantei-me a custo. O corpo recordava-me dolorosamente que não tinha jantado e que tinha feito uma viagem de quase 200 km à velocidade “suicida” de 40 km/hora sem comer, sem descansar e com os nervos à flor da pele. O pequeno-almoço soube-me a massagem de corpo inteiro e, enquanto as Irmãs não voltavam da Oração das Laudes, fui levar o pequeno-almoço e um café forte ao Sr. Rafael, que devia estar com uma ressaca monumental… As suas mãos tremiam quando pegou na chávena e num instante devorou o pequeno-almoço que lhe levava. Sorriu-me agradecido por aquele gesto que não esperava e pediu-me desculpa pelo dia anterior.

– Eu é que agradeço, Sr. Rafael, se não fosse o senhor não tínhamos chegado vivos! Até logo.
– Doutora!
– Sim?
– Eu não vou beber mais!
– Olhe, isso é que era uma excelente ideia! Ia fazer-lhe muito bem.

As Irmãs, tal como eu esperava, não podiam acompanhar-me a lado nenhum porque estavam cheias de trabalho, mas mandaram o guarda, o Sr. Revenda, comigo, porque eu não teria a menor hipótese de me orientar na cidade sozinha... Isto porque, para além da minha ausência absoluta de sentido de orientação, na altura Nampula não tinha semáforos nem sinais de trânsito. As ruas de sentido único, os sentidos obrigatórios e proibidos, as interdições de virar à esquerda ou à direita não estavam assinaladas. Mas a polícia multava na mesma, claro.

O guarda era um homem afável e com um sono crónico durante todo o dia, fruto da sua profissão nocturna. Adormecia literalmente em todo o lado, dormia entre dois cruzamentos, aproveitava as rectas ao máximo e deixava-se embalar por qualquer solavanco. Mas acordava geralmente nos momentos em que era preciso mudar de direcção ou dar indicações, embora por vezes o sonho, em que entrava directamente assim que fechava os olhos, interferisse com as direcções.

– Agora é para onde, Sr. Revenda?
– Falta cortar o capim…
– Como, Sr. Revenda?
– Para o telhado… Ah… Aqui a polícia está a controlar. Temos de dar a volta pela esquerda.
– Ah, está bem…

(continua...)

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