quarta-feira, 16 de novembro de 2011

[nampula] à procura da inês...


À porta da farmácia do centro de saúde...

(continuando...)

Fomos direitos à farmácia do Centro de Saúde 25 de Setembro, onde a Irmã Lurdes me tinha dito que a mãe da Inês trabalhava. Deixei o Sr. Revenda a roncar no carro e entrei a sorrir na farmácia, procurando uma mulher mãe de família, mas ao balcão só estava um homem. O seu olhar fechou-se e endureceu assim que lhe falei do assunto que me trazia ali. Desapareceu para dentro do armazém sem uma palavra, a meio de uma frase minha, e por ali ficou mais de meia hora, até que resolvi fingir que telefonava às Irmãs e dizer, na voz mais “o-meu-pai-é-o-dono-disto-tudo” que consegui, e suficientemente alto para que ele me ouvisse, que não ia almoçar porque estava ainda na farmácia e que, acontecesse o que acontecesse, só me iria embora depois de ser atendida. Acabou por voltar para o balcão. Eu não sabia o nome da mãe da Inês mas ele assegurava-me que a filha da colega se chamava Betinha e não Inês.

– E não tem outra filha?
– Não, os outros filhos são homens…
– É a única menina?
– Sim.
– E onde está ela?
– Nada, não sei… Há muitos dias que não vem.
– E sabe onde ela vive?
– Nada, não sei…
– Mas e não há aqui outra técnica de farmácia?
– Não, agora sou eu sozinho…

Monossílabos. Olhar vago. Semblante crispado. Ainda pensei que ele podia estar a pensar em suborno mas quando fiz menção de tirar a carteira voltou-me costas, regressou para o armazém com um ar assustado e não saiu mais de lá. Oh, céus, que fiasco! E agora, que faria eu? Não sabia o nome da mãe, só tinha a referência da farmácia do Centro de Saúde, que pelos vistos estava errada… [Estaria?] Naquele momento doía-me horrores na alma saber que provavelmente bastava eu ter perguntado mais informações para conseguir localizar a menina. Mas quando a Irmã me tinha pedido para procurar a Inês, eu já estava tão preocupada com a viagem que nada mais me tinha ocorrido… Sempre podia enviar uma mensagem à Irmã Lurdes através do tal senhor da EDM*, ai como é que ele se chamava? Soares? E esperar que a resposta ainda chegasse a tempo… Providencial aquele contacto, que já uma vez vos contei como era difícil enviar mensagens para Iapala...

Lá fui à EDM deixar a mensagem e depois embrenhei-me nas compras até encher a cabine do carro. Sim, que nem pensar em colocar qualquer bagagem na caixa aberta do jipe, a não ser que quisesse ficar sem ela no mesmo minuto. Nampula, nesse aspecto é uma selva, infelizmente. Qualquer pessoa na rua é um potencial ladrão, desde os miúdos que se oferecem para guardar o carro enquanto entramos nas lojas, até aos mutilados pela guerra e pela lepra que pedem dinheiro nas ruas, passando por pessoas de aspecto normalíssimo…

– Eu sou o Gabriel, posso ficar a guardar o carro, mamã?
– Não, obrigada, vim com o guarda, que está lá dentro.
Ishh, mas ele está a dormir, mamã! Não vai nem dar conta di quem leve até pineu!
Quem me falava era um menino de seus 12 ou 13 anos de olhar vivaço. Afastei-me, mas não desistiu. Correu atrás de mim.
– Eu não sou ladrão, mamã!
– Ora, tu és o chefe deles!
– Sim, mamã – sorriu, deliciado, como se tivesse ouvido o maior elogio que lhe poderiam ter feito –, eu sou o chefe dos ladrões! Ninguém vai roubar se eu não disser. Posso ficar a guardar o carro?

Não pude deixar de me rir… Tinham resposta para tudo!
– Não! Eu tenho guarda. Não preciso, obrigada.**

Fui para casa ainda desolada. Não sabia o que pensar da atitude do técnico de farmácia e de toda a situação da menina e da sua mãe… Seria tudo um engano e não teria ido ao centro de saúde certo procurá-la? Haveria outro Centro de Saúde chamado 25 de Setembro? Ou havia algum mistério por detrás da recusa do técnico em falar, da forma seca e desadequada com que me evitara, no facto de a técnica sua colega não aparecer para trabalhar há muitos dias? Será que havia alguma desgraça, de facto, por detrás daquela animosidade toda e do olhar assustado com que fugira para o armazém da segunda vez?

(continua...)

* Electricidade de Moçambique, como está bem de ver...
** Sim, eu sei que já vos contei esta história do Gabriel, o chefe dos ladrões, que se oferecia para me guardar o carro, mas foi neste dia que aconteceu...

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