(Continuando a epopeia amorosa e trágico-burocrática, que já vai longa...)
Aviso à navegação: Esta parte é difícil e dolorosa. E não adianta grande coisa. Claro que quem vem aqui ao mato-que-já-não-é-mato, vem sempre à sua própria responsabilidade e ninguém é obrigado a ler nada do que está aqui, mas ainda assim deixo o aviso. Para não se queixarem. Este blogue não possui livro de reclamações. A parte boa, como diz a Zu, assídua visitadora e companheira de viagem, é que desta vez sabemos de antemão que a história acaba bem.
Passadas talvez duas semanas, ou menos até, tenho ideia, foi autorizado o meu estudo de caso pelo Senhor Provedor da Santa Casa da Misericórdia. Dada a situação do menino, já com medida de adotabilidade decretada em tribunal e sem candidatos à vista, o estudo foi considerado prioritário. Fui então chamada para a primeira entrevista. Ia receosa. Sabia que me iria sujeitar a um escrutínio de toda a minha vida pessoal, passada e atual. Isso estava bem patente no questionário de 40 páginas que já tinha preenchido, em que tudo era perguntado, desde relações amorosas atuais e anteriores até à vida familiar e profissional atual.
Mas a equipa era extraordinária, humana e profissional. Não estava à espera que tivessem lido tudo com tanta atenção, sabiam exatamente o que já tinha respondido no questionário e o que faltava esclarecer, poupando-me à exaustão da repetição. No fundo, apesar de toda a minha vida ter sido desfilada naquelas horas, senti que acabou por ser mais uma conversa amigável do que um escrutínio desconfiado das minhas intenções. Estavam inicialmente curiosas de qual a razão que me levava a querer levar para casa uma criança com tantos problemas, mas perceberam que eu estava perdidamente apaixonada. E que sabia ao que ia. Eu já tinha tido uma quase-experiência de adoção do meu menino Gaiato. E quando se teve um menino que morreu, tudo o que se pode pedir é um que não morra. Apenas e só. Lembravam-se bem de outros dois casos de meninos, que entretanto, por felicidade do destino e inteiramente por acaso, são agora meus doentes, em que as mães adotivas se tinham vindo candidatar nas mesmas circunstâncias. Ambos casos de sucesso. Portanto não foi difícil perceberem o que me movia e que tinha perfeita noção do que implicava a minha decisão.
Saí da Santa Casa horas depois, com o coração mais leve e com a certeza de que mais um passo estava dado. Mas no dia seguinte recebi um telefonema do Centro de Acolhimento onde estava o meu menino, que me deitou novamente as esperanças por terra: a equipa de adoções local não via com bons olhos as minhas visitas ao menino e não permitia que o fosse visitar antes do meu processo estar concluído. Assim sem mais, como se houvesse algo de interdito e ilegal nas minhas intenções.
Dois passos para trás! E logo nessa altura, em que já se viam pequenos sinais de melhoria no menino. Já ficava mais calmo na minha presença, já não passava o tempo todo a abrir e fechar a janela, já sorria de vez em quando com as minhas palhaçadas, já olhava ocasionalmente para os brinquedos que lhe levava. Nem queria acreditar... por mais voltas que desse à cabeça não conseguia perceber em que sentido é que as minhas visitas o poderiam prejudicar. Mesmo que viesse a estabelecer alguma relação mais forte e privilegiada comigo, isso não seria diferente da relação que estabeleceria com os técnicos ou as funcionárias da instituição ou até mesmo com a educadora do jardim de infância que entretanto tinha começado a frequentar. Que mal poderia fazer ao menino que uma pessoa fosse exclusivamente visitá-lo frequentemente? Apenas a ele, que era mais um entre tantos? Só poderia fazer bem... Mas não havia volta a dar. A própria diretora do Centro de Acolhimento também estava desolada com o meu desapontamento. Desde que me conhecera que tinha ficado a torcer por mim, acabou por me dizer depois... Não sabia o que pensar... Nos dias seguintes tentei fazer várias diligências, apelar ao bom-senso de quem de direito, mas em vão...
(continua...)
ainda bem que vamos lendo esta história já sabendo como acaba
ResponderEliminarAi, Beijo-de-Mulata, dói só de ler! Eu sei que nos aconselharam a não ir visitar lares de acolhimento durante o processo, se não o costumávamos já fazer, para evitar a criação de laços com crianças nas quais poderíamos, inconscientemente, ver o nosso futuro filho, e que não o seria. Mas o vosso caso, céus, era todo ele diferente!
ResponderEliminarUm grande beijo, para mãe e filho.