Os fantásticos girassóis da tia Cármen... o paradigma da sua defesa da personalidade!
(continuando...)
A tia Cármen, a vovó dos meninos da Casa do Gaiato, contou-me uma tarde a sua dura experiência de uma infância passada durante a guerra civil de Espanha, em que mais do que uma vez tinha sido obrigada a fugir a pé com a família. Nesse dia, já rendida àquela personagem maternal, divertida e invulgar, pedi-lhe para me falar dos seus trabalhos artísticos e ela contou-me simplesmente que o maior prémio de pintura que alguma vez tinha recebido representava um enorme campo de girassóis. Dias depois mostrou-me uma fotografia desse quadro, em que os girassóis eram retratados a partir de baixo, com os caules cheios de espinhos e a luz do pôr do sol adivinhando-se coada pelas corolas das enormes flores. Mas longe de ser a visão serenamente bucólica que eu tinha imaginado, a imagem veiculava uma desconcertante sensação de movimento e opressão.
– Este quadro chama-se “A Fuga”. Durante anos tive a obsessão de pintar girassóis vistos por baixo porque tinha de deitar cá para fora a imagem do pior dia da minha vida, que foi o dia em que perdi o meu pai e tivemos de fugir de casa sem levar nada connosco através de um campo de girassóis. Eu era muito pequena e só tenho a recordação de enterrar os sapatos na areia mole e mal conseguir avançar, como nos pesadelos. E os girassóis eram altíssimos e tinham uns espinhos enormes que não picavam, mas arranhavam a pele até ficar toda em ferida.
Pois… estava explicada, portanto, a sua vocação do ensino da expressão plástica aos meninos. Ao ensiná-los a pintar estava a transmitir-lhes a sua melhor defesa da personalidade, a ensinar-lhes que pintando as suas angústias e medos poderiam mais facilmente vencê-los.
Mas não eram só aulas de pintura que leccionava. O que os meninos mais gostavam de fazer era contar a história dos desenhos, falar sobre as personagens, inventar diálogos, projectar-se nas figuras. De vez em quando ouvia um dos meninos dizer:
– Hoje sou eu a contar uma história à tia Cármen!
(continua...)
Recebo diariamente os jornais/fax de Moçambique e hoje chegaram-me notícias de Iapala. Achei piada porque foi aqui que "conheci" a localidade. Posso enviar-te?
ResponderEliminarClaro, eu também recebo, mas confesso que nem sempre tenho tempo de os ler! O meu mail está ali mesmo abaixo, onde diz "Este blogue não possui livro de reclamações"... E sobre Iapala há uns tempos que não leio nada... Obrigada!
ResponderEliminar(um) beijo de mulata