domingo, 12 de fevereiro de 2012

[casa do gaiato] o início dos dias...



A savana e as micaias...
(África do Sul)

(continuando...)

Era no centro de saúde que começavam os meus dias. Depois do mata-bicho* com os meninos, o António, um dos mais velhos, que já tinha carta de condução, ia levar-me ao centro de saúde através de uma picada fabulosa, quase desaparecida por uma vegetação rasteira de savana seca a perder de vista, de onde dava a impressão ser possível ver sair a qualquer momento uma gazela e onde, a espaços, emergiam as micaias, as árvores que eu amo desde o primeiro dia, com os seus espinhos, a sensação de serem as únicas sobreviventes no meio da secura atroz da planície e a sua copa espalmada, como se o céu ali fosse demasiado baixo, e que me faziam, absurdamente, lembrar o cabelo de uma antiga professora de matemática...

Eu ia à frente no machibombo**, ao lado do António. Os meninos que não tivessem aulas nesse dia também iam connosco atrás, para ajudarem em pequenas tarefas do centro de saúde: encarregavam-se da inscrição dos doentes, ver temperaturas, medir tensões arteriais, varrer o pátio, ajudar os doentes a perceber como se tomava a medicação.

A filosofia da casa era que os meninos deviam ajudar e participar em todas as atividades de apoio à comunidade, para se sentirem úteis, valorizados e criarem uma autoestima fundada na capacidade de ajudar os outros. Eu via-os desempenhar aquelas tarefas com um empenho, um entusiasmo e um orgulho enormes. Era mesmo importante para eles, meninos órfãos ou abandonados, sentir que conseguiam de facto ajudar alguém, sentir que alguém lhes ficava genuinamente agradecido depois de se dirigir a eles com uma dúvida, um pedido, uma hesitação que eles conseguiam resolver.

*Mata-bicho - Pequeno-almoço.
**Machibombo - Autocarro.

 (continua...)

2 comentários:

  1. http://ma-schamba.com/linguistica/origem-de-machimbombo/

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  2. Muito obrigada, Mr. 1B! Fiquei surpreendida com a origem da palavra. E agora até estou confusa com a grafia, mas opto por escrever como o V. Lindegaard no seu "glossário de moçambicanismos", que ele é homem esclarecido e o artigo citado no maschamba é de 1913...

    (um) beijo de mulata

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