Imagem da Campanha da ONG Child Soldiers denunciando a mobilização de crianças para a guerra na África Subsariana.
(continuando...)
Foi numa dessas jornadas de machibombo* que me apercebi,
horrorizada, de que alguns dos meninos mais velhos, inclusivamente o António,
tinham sido mobilizados para a frente de combate durante a guerra civil.
Quase no fim da minha estadia, no meio de uma conversa
com os mais novos, de chofre e a propósito de uma disputa insignificante, o
António perguntou-me se eu achava importante para uma família ter armas em
casa. De súbito fez-se silêncio e o António parou o machibombo no meio do
caminho. Pelos vistos era um assunto muito debatido entre eles e queriam muito
ouvir a minha opinião.
Engoli em seco, tentei disfarçar que tinha ficado chocada com a pergunta, e respondi da forma mais natural que me foi possível. Dei-lhes a minha opinião, debatemos ideias, falei dos perigos, contrapus argumentos, dei exemplos, criámos situações hipotéticas. Por fim, voltou a colocar o machibombo em andamento e conseguimos mudar de assunto. Mas houve uma frase cruzada, captada de raspão, que me fez suspeitar da razão da pergunta… Na altura a frase não me fez muito sentido porque não podia conceber os meus meninos numa situação tão monstruosa. Mas claro, se tantas crianças tinham sido mobilizadas para a guerrilha, por maioria de razão isso poderia ter acontecido a estas, tão desprotegidas...
E nessa noite a frase ecoava-me nos ouvidos, não tanto
pelo sentido mas pela expressão comprometida do menino que a tinha dito e o
olhar fulminante dos outros que o rodeavam. Claramente era um assunto tabu, não
entre eles, mas entre eles e os adultos.
*Machibombo - Autocarro
*Machibombo - Autocarro
(continua...)
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