Menino-soldado...
(Imagem da net muito reproduzida, pelo que não consigo citar a fonte original)
(continuando...)
Ainda
assim, só consegui ter a certeza de que aquela interpretação não tinha sido
fantasia minha quando o Padre José Maria me confirmou que sim, que alguns dos meninos mais velhos do orfanato tinham andado na guerra, embora não se tivesse
alongado muito:
– O que é que isso interessa agora? A guerra já acabou! Já basta tudo quanto sofreram. Há dois anos apareceram aí uns oficiais do exército a perguntar quais é que tinham sido os meninos que tinham andado na guerrilha, queriam nomes, sabe-se lá para quê, mas eu recusei-me a responder. Quase todos agora são adolescentes normais. Só um ou dois é que o psiquiatra achou que precisavam de acompanhamento. Para quê desenterrar o que já lá vai se não os ia ajudar em nada? Mais vale que esqueçam...
Mas
não, não esqueciam. Eram diferentes dos outros. E seriam sempre diferentes…
Para os mais novos, os que tinham sido mobilizados eram respeitados e
reverenciados como uma espécie de heróis e rodeavam-nos para ouvir as suas
histórias. Mas os mais velhos escutavam-nos mais com compaixão do que com
respeito ou inveja. Entendiam a sua fragilidade… Não me foi difícil depois
perceber quais eram estas "estrelas" que tinham um estatuto diferente,
e assisti a uma ou outra discussão em que não se abordava diretamente o assunto
da guerrilha, mas em que se notava claramente o seu fascínio por armas...
Também ali, entre crianças e adolescentes, para além histórias de perdas, de
abandonos e maus-tratos, havia traumas, feridas de guerra e stress pós-traumático.
Eu perguntava-me muitas
vezes se seria possível sobreviver a tudo por que eles tinham
passado e depois crescer normalmente, trabalhar com vontade, constituir uma
família. Pelos vistos sim... Com mais ou menos marcas, com mais ou menos
dificuldades na escola e nos relacionamentos, sei que todos acabaram por
crescer. E muitos já completaram cursos superiores, arranjaram empregos, saíram
da casa, casaram e tiveram filhos... É a isto que os pediatras gostam de chamar
resiliência…
(continua...)
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