domingo, 28 de março de 2010

[vozes brancas* #5] desenvolvimento e cultura


Um dos aspectos obrigatórios da avaliação do desenvolvimento de uma criança de três anos é se esta já adquiriu a noção de género e se sabe se é menina ou menino. Mas a primeira vez que no hospital de Iapala perguntei a um menino: "Niyuo, muthiana o mulopwana?", ele respondeu-me em Português, com um ar muitíssimo ofendido: "Homem!"

O que poderia querer dizer aquele ar ofendido? Vim a perceber, mas apenas muito depois que, na idade em que as nossas crianças aprendem a dizer que se chamam Ma'ia ou Be'na'do e a dizer com os dedos que têm dois anos, as crianças macuas aprendem se são do sexo masculino ou feminino e a relacionar-se de forma diferente com cada pessoa, consoante o género. Coisa que as nossas só conseguem fazer depois dos três. Em contrapartida, uma criança macua pode chegar à idade adulta sem saber a sua idade ou o nome próprio...

Ingenuidade a minha (é tão triste ser loira, benza-nos Deus), tentar traduzir literal e acriticamente as etapas de desenvolvimento que vêm nos tratados de Pediatria... A verdade é que está escrito em todos os tratados que o desenvolvimento infantil é igual em todas as culturas e que as etapas do desenvolvimento são transversais. Mas é preciso não perceber rigorosamente nada da cultura africana para acreditar nisso!

* Timbre da voz de uma criança antes da puberdade.

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