Um safari até então totalmente sem história.
(Kruger Park, África do Sul)
Ou melhor, sem história com enredo, mas com imagens fantásticas. Um nascer do sol arrebatador, girafas, crocodilos, hipopótamos, hienas malcheirosas, rinocerontes indolentes a atravessar a estrada provocando um engarrafamento na selva, birdwatching até mais não, macacos que numa dança hilariante nos atacaram o brunch e que a contragosto tivemos de afugentar (regras da vida selvagem e da selecção natural), elefantes a beber água do rio...
E eis que uma família de elefantes, com três fêmeas, um macho e várias crias se aproxima e atravessa a estrada à nossa frente. Paramos o carro para as fotografias. Que fotogénicos podem ser estes simpáticos bicharocos... Acabam de atravessar a estrada. Avançamos novamente, que já é tarde. Temos mais um selvático engarrafamento atrás de nós (nem na savana nos livramos do trânsito, valha-me São Cristóvão) e ainda há que regressar hoje para o Maputo... Pois... cedo demais...
Os elefantes ainda estavam muito próximos e o macho não gostou que nos aproximássemos dos seus infantes. Infâmia! Volta-se e vem em direcção a nós. Lentamente. Recuamos também lentamente mas temos mais quatro ou cinco carros atrás de nós [que se há pouco lamentavam ter o nosso carro à frente a tirar-lhes ângulo de visão para as fotografias, agora devem estar a dar graças a Deus por não serem os primeiros na linha de ataque]. Acenamos-lhes que também têm de recuar rapidamente. Estamos praticamente encurraladas... O elefante não nos dá tréguas. Não temos muita margem para recuar rapidamente e também temos receio de que se acelerarmos ele possa lançar-se e correr contra nós. Vai urinando pelas pernas abaixo (sinal inequívoco de que está no cio, foi por isso que reagiu desta forma violenta a uma aproximação tão ligeira). Um riso nervoso invade-nos. Duas donzelas ameaçadas por um paquiderme no cio, nunca tal se viu! Um ataque em câmara lenta, de pôr metodicamente os cabelos em pé e os nervos em farrapos. O carro desastradamente faz, de repente, mais barulho. [Fugiu o pé da embraiagem. A R. sussura-me que isto não está a correr nada bem, que foi muito má ideia. Este ruído de motor pode enfurecer o macho. É que nem pensar em desafiá-lo*! Desculpa, R., não foi de propósito...] O ruído, de facto, enfurece o elefante adamastor, metido em brios. Olha-nos de frente, afasta as orelhas parecendo subitamente maior e muito mais ameaçador. Acelera um pouco contra nós. Ai, valha-nos Nossa Senhora dos Aflitos. Um esforço para não recuarmos muito mais rápido. Ele acaba por não acelerar mais. Apesar de tudo não somos uma ameaça assim tão perigosa com que valha a pena gastar energias. Bem... isto até podia ter corrido muito pior. Continuamos a recuar. Os outros carros também recuam. Alguns mais atrás até já fizeram inversão de marcha. O mostrengo há-de desistir. A família continua a afastar-se e ele tem de os acompanhar... É isso que acaba finalmente por fazer. Depois de quase meia hora em que vimos - literalmente - a nossa vida a andar para trás entra novamente na savana. Aceleramos a todo o gás. Ainda faz menção de vir atrás de nós, mas agora não tem hipótese nenhuma, já vamos muito mais rápido do que ele. Um cheiro intensíssimo a urina de elefante macho invade-nos as narinas quando aceleramos. O guia já graceja novamente: "Sentem este cheiro? Desculpem, fui eu..."
Ai, ai... Como dizia uma freira alemã, abanando a cabeça perante os noviços que tiritavam de frio e angústia com crises de malária: "Áfrrica... não é parra todos."
* Já dizia o Senhor de La Mancha que quer seja a pedra a bater no vaso ou o vaso a bater na pedra... quem se magoa é sempre o vaso, portanto vamos lá com calma, juizinho.
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