sexta-feira, 25 de junho de 2010

[levantar-se com as galinhas] ...como o bispo

Rapariga com Galinhas, Paula Rego


Em Iapala, a expressão levantar-se com as galinhas dava sempre direito a um sorriso bem disposto das Irmãs e havia invariavelmente uma ou outra que acrescentava: Pois é, amanhã vamo-nos levantar com as galinhas como o Bispo.

A primeira vez que ouvi aquela prótese aforística não estranhei nada nem liguei nenhuma. Os bispos são habitualmente pessoas ocupadas e têm certamente de se levantar cedo muitas vezes. Mas a verdadeira razão pela qual me passou ao lado o olhar meio gozão das Irmãs foi, certamente, o impacto emocional que esta expressão tem em mim. É proverbial a minha dificuldade em acordar de manhã cedo. E pior do que acordar de manhã cedo, só mesmo acordar e levantar-me de manhã cedo. Mas, na segunda vez, a expressão de gozo era tão evidente que acabei mesmo por perguntar:

- Como o Bispo? Mas porquê como o Bispo?
- Ah... isso tem uma história...
(Ah... afinal havia história ali pelo meio... e ou muito me enganava ou as Irmãs estavam mortinhas por contá-la!)
- Tem história? Ah... E que história é essa?
(Não se ponham é já a imaginar histórias lúbricas, que isto pode não ser um blog sério, mas pelo menos tenta parecê-lo... E com Bispos e Irmãs, convenhamos que não há assim muito potencial...) Mas então a história era a seguinte:

Antes da Independência de Moçambique, no bispado de Nampula bispava um Bispo chamado D. Manuel Vieira Pinto. Pelo que as Irmãs contam e as pessoas que viveram esse tempo corroboram, D. Manuel Vieira Pinto era um homem muito carismático, muito sensato, extremamente afável e compreensivo e com um talento de orador nato. Interessava-se pelos problemas do povo e procurava o mais possível entrar em contacto com as pessoas, viajando, mesmo durante a guerra, por toda a província. O povo venerava-o e ansiava pelos seus conselhos. No final das visitas ofereciam-lhe o sempre o melhor que tinham. Geralmente os presentes do povo eram alimentos: bananas, milho, galinhas. E, obviamente que, estando no mato, literalmente a anos-luz da civilização, o único método de conservar uma galinha para não se estragar na viagem de regresso, era preservá-la... viva.

D. Manuel Vieira Pinto era, no entanto, paradoxalmente, um homem também muito frágil e sensível, quer em termos físicos quer em termos emocionais, pelo que as Irmãs se afadigavam em mimos e cuidados para minimizar o seu desconforto quando pernoitava na Missão de Iapala. Uma tarde, após uma longa saída de três dias para o mato, as Irmãs e o Bispo regressaram à Missão com um carregamento considerável de galináceos, que se apressaram a entregar a um empregado da Missão (Barril de seu nome) com a expressa indicação para não as misturar com as galinhas das Irmãs.

Nessa noite, o Bispo, exausto, recolheu cedo ao seu quarto para se ir deitar. No entanto, o quarto, habitualmente tão mimoso, tão fresco e arejado, especialmente preparado para si pelas Irmãs, exalava um cheiro nauseabundo que não o deixou dormir em toda a noite. Intrigado, o Bispo dava voltas na cama sem compreender uma falta de consideração tamanha das Irmãs. Ainda se estivesse numa casa de padres, que habitualmente pensam pouco no conforto e limpeza dos aposentos dos hóspedes, agora em casa das Irmãs... E logo das Irmãs de Iapala, sempre tão solícitas... Que se teria passado?

Só adormeceu de madrugada, vencido pela fadiga, para ser acordado meia hora depois pela eloquente explicação para a falha terrível das Irmãs: cocorococó! O cacarejo vinha de dentro do seu quarto! Atónito, abriu o olhos e viu duas dezenas de galinhas a sair de baixo da sua cama, onde tinham pernoitado e a andar pelo quarto, desconcertadas pela dureza do chão que incessantemente tentavam bicar... O Sr. Barril tinha guardado as galinhas no quarto do Bispo para ter a certeza de que não se confundiam com as das Irmãs...

1 comentário:

  1. Interessantíssima história em extraordinário relato. Parabéns.
    https://www.facebook.com/DManuelVieiraPinto?ref=hl

    ResponderEliminar