quarta-feira, 16 de junho de 2010
[inspiração para um reencontro] em modo piroso
O poeta diante daquelas pedras cruzara os braços e sorria dolorosamente, imóvel e sombrio no seu fato negro. Depois, no silêncio, a sua voz ergueu-se, saudosa e dolente:
- Vocês lembram-se, rapazes, nas Flores e Martírios, de uma das coisas melhores que lá tenho, em rimas livres, chamada 6 de Agosto? Não se lembram talvez... Pois eu vo-la digo, rapazes!
Baixou a voz como numa confidência sagrada, recitou, com um ardor surdo, mordendo as sílabas, trémulo, numa paixão efémera de nervoso:
Vieste! Cingi-te ao peito.
Em redor que noite escura!
Não tinha rendas o leito,
Nem tinha lavores na barra
Que era só a rocha dura...
Muito ao longe uma guitarra
Gemia vagos harpejos...
(Vê tu que não me esqueceu)...
E a rocha dura aqueceu
Ao calor dos nossos beijos!
Esteve um momento embebendo o olhar nas pedras brancas batidas do sol, enxugou uma lagrimita e num gesto triste apontou:
- Foi ali.
Eça de Queirós in Os Maias
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