quinta-feira, 8 de dezembro de 2011

[o regresso a iapala] em jeito de epílogo...






O regresso a Iapala...
(Nampula, Moçambique)

(...continuando a história que começou aqui...)

E no final da semana voltámos para Iapala. Íamos todos eufóricos e de coração leve. O carro, que à ida tinha parecido o carro dos loucos, parecia agora o carro do circo, connosco a cantar estrada fora. Eu com uma alma nova, já com o sono atrasado em dia, a Inês e o Sr. Rafael totalmente renascidos e o Cachimo felicíssimo ao meu lado, amoroso e trocando comigo olhares cúmplices. A família a quem tínhamos dado boleia para o Hospital Central bateu-nos à porta dias antes da partida e partilharam o carro connosco. Claro que tivemos outro furo. No mesmo pneu, que não devia ter ficado bem consertado na oficina… Desta vez, sem crianças doentes e sem angústias, mudámo-lo nós. Todos juntos, num trabalho em equipa, os risos que se diluíam no meio do silêncio e do cheiro da savana. A Inês foi recebida em euforia pelas outras meninas da casa, a Irmã Lurdes ficou comovidíssima e a madrinha dela cumpriu de alma e coração a intenção de lhe pagar os estudos até ao fim da faculdade.

Foi na semana seguinte, em Iapala, que conheci o J. F., director da ONG com que colaboro. Chegou com um padre comboniano para visitar a Missão e o trabalho da Irmã Lurdes com os leprosos. Encontrou-me no hospital. Vinha a comentar, na sua boa disposição, que se devia ter inadvertidamente transformado num homem muito mais respeitável durante viagem, porque todos os polícias por que tinha passado o tinham tratado por “Sr. Padre”.

– Ou terá sido só da barriga? É que o Padre Alberto é muito mais magro do que eu e os polícias acharam todos que ele era o meu empregado. Ahaha!
– Sim, só pode ter sido isso – brincava o Padre Alberto – eu ao menos tenho cara de empregado de padre, sempre me “emprestas” alguma dignidade. Podia ser pior. Podia ter cara de empregado das finanças…

Foi uma noite de boa disposição! Falou-me do trabalho da associação na luta para a erradicação da lepra e na assistência médica e moral aos doentes. Eu estava tocadíssima pela história da Inês. Nunca antes tinha sentido tão na pele o sentido da palavra “estigma”. Daí que quando, meses depois, me convidaram para ir novamente para Moçambique integrada no programa de combate à lepra emocionei-me. Claro que aceitaria. Por pouco tempo que fosse. Se pudesse devolver a vida a alguém que ainda tivesse vida, a minha própria vida teria mais sentido.

E pronto, foi assim que tudo começou. O que se seguiu, talvez um dia vos conte... Acompanhei outros voluntários no seu trabalho lindíssimo. E fui testemunha de verdadeiros milagres. E assisti à alegria de ver devolvido um futuro a muitas vidas que afinal não tinham terminado!

No ano seguinte a Irmã Lurdes fundou a missão do Gilé, na Zambézia (como foi que ele teve coragem de deixar Iapala é coisa que ainda hoje me intriga...). A Inês foi com ela porque em Iapala só havia escola até à 7ª classe. Completou a 12ª no Gilé e foi depois estudar enfermagem para Quelimane. A última vez que soube dela, estava a trabalhar em Tete, já com o curso tirado e, imagino, casada e já com filhos. Os pais ainda hoje de vez em quando me telefonam ou mandam SMS a agradecer o que fiz pela filha. Por vezes, quando alguma das Irmãs vem a Portugal, mandam-me pequenos presentes: castanha de caju, café da sua machamba, desenhos feitos pelos irmãos mais novos da minha menina. Enchem-me a alma. Quero acreditar que ela é feliz.

Obrigada a todos os que vieram comigo nesta viagem...
(um) beijo de mulata

15 comentários:

  1. A boa disposição e a alegria existem, quando se cumpriu o dever ou a missão! Cansaço? Não há quando a alma está feliz!
    Beijo grande.
    Graça

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  2. Agradeço-te, Beijo-de-Mulata pela descrição deste reencontro. Senti, vivi, cheirei as tuas palavras :-)
    Fiquei tão feliz por saber que a Inês integrou a Vida!!!
    E as minhas palavras não se tornam, as letras não se juntam, pois não encontro descrição para o que sinto ao ler este blog. Muito bom!!! Um abraço forte

    Karina

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  3. q grande viagem... adorei ;)

    eu mesma

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  4. Pô, pá! eu trabalho nas finanças e até sou um gajo simpatico!![digo eu]
    Até gosto [imenso] deste blog.

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  5. Caríssimo anónimo, não são palavras minhas, são do Sr. Padre!

    (um) beijo de mulata

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  6. anónimo (o das finanças)9 de dezembro de 2011 às 17:14

    Ah, os padres. Ficou com a Concordata atravessada na garganta.
    [Continue a brindar-nos com as suas "estórias" tão magnificamente escritas e descritas e que falam de uma terra distante onde muitos de nós já fomos felizes um dia. Obrigado]

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  7. Cara mulata, está provado, de beijos mil!!!!!!!!

    Beijos de Pombal Big Aplle,

    Ruiva (vinda temporariamente da cidade das acácias e do meu coração).

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  8. Meus queridos amigos, Graça, Karina, eu mesma, o-anónimo-das-finanças e Ruiva,

    Muito obrigada também por me terem acompanhado. Por uma razão ou por outra todos nós nos sentimos ligados a Moçambique, ou por lá termos vivido e termos sido felizes ou porque imaginamos que lá poderíamos ser felizes um dia. Ou então estamos unidos porque sabemos que a vida basta. É simples.

    (um) beijo de mulata

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  9. Mas, Ruiva, vieste de vez lá da cidade das acácias? E eu a pensar que ainda íamos à Gorongosa... Ou foi só para o Natal?

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  10. Minha querida beijo-de-mulata, eu de Moçambique só saio se for obrigada e empurrada... Vim só para o Natal, obrigações de filha unica com avós felizmente ainda vivos! Fico até Fevereiro e depois volto à nossa amada patria de coração! Por isso Gorongosa não podia estar mais de pé!
    ;-D

    Beijos de Pombal Big Apple (temporariamente),

    Ruiva

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  11. Ah, que maravilha, Ruiva! Eu antes de Fevereiro também não volto de certeza... Pode ser que dê para combinarmos... De qualquer modo sei que tenho de ir à Beira porque tenho de ir visitar o meu pequeno milagre ;)

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  12. Este final feliz foi lido com uma lágrima saltitona. Só posso dar os parabéns por ser quem é!

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  13. Ahhhhhhhhh que bom, adorarei ser a primeira a dar um belo beijo a essa mulata no aeroporto de Maputo! Casa tens, já sabes...

    Beijos de Pombal Big Apple (temporariamente),

    Ruiva

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  14. Que viagem fantástica!Bjs grandes

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  15. Obrigada eu por esta viagem. Venham mais!
    Cláudia

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