quarta-feira, 19 de outubro de 2011

[a caminho de nampula...] e, de repente, tudo melhora


Uma criança muito desidratada... (Foto tirada noutra circunstância)
(Gurué, Zambézia)

(continuando...)

Era preciso fazer alguma coisa por elas rapidamente, ou possivelmente não chegariam vivas.

– Mas, papá, a mais pequena não mama?
– Está a negar, Irmã.

Que desespero! Mas eu já nem insistia muito… Quando os pais viam as crianças a recusar alimentação ou líquidos, pura e simplesmente não insistiam mais. Por isso me doía tanto na alma ver morrer crianças de desidratação, mesmo que as mães estivessem de peito a transbordar de leite e nos hospitais tivessem quanto soro oral fosse preciso à disposição. Eu bem tentava explicar-lhes que não era o soro que lhes provocava a diarreia, mas era quase impossível convencê-los… Mais valia ser eu a arregaçar as mangas e dar eu própria o soro às crianças. Pelo menos aquelas que eu tomava em braços não haveriam de morrer.

Em poucos segundos, já o Sr. Rafael saía do carro. Vi-o abrir a porta pelo canto do olho e precipitei-me para o ajudar para ele não cair estatelado no chão e consegui que saísse mais ou menos direito. Dirigiu-se directamente para o pneu traseiro do lado oposto, que de facto, bingo!, estava completamente em baixo.

– Papá, nós podemos levá-los mas temos um problema com o carro. Tem um pneu furado e precisa de ser trocado. Será que nos podia ajudar?
– Sim, Irmã.

Virou-se para o outro homem que o acompanhava e disse-lhe qualquer coisa em macua e lançaram-se de imediato ao trabalho, sob supervisão do Sr. Rafael que, de súbito, se tinha tornado num homem diferente. Composto, responsável, absolutamente em controlo da situação, comandando a “operação pneu” como se nunca tivesse feito outra coisa na vida. Ainda fiquei uns minutos a observar tudo, com medo que o Sr. Rafael fizesse alguma asneira e os homens se magoassem, mas ele estava totalmente transfigurado. Era notório que os homens nunca tinham trocado um pneu antes, já que o Sr. Rafael tinha de lhes mostrar, exemplificando, como é que se faziam os gestos mais básicos. Mas mesmo com os movimentos desajeitados de quem está alcoolizado, as instruções eram certeiras e o processo ia decorrendo na perfeição. Quando me voltei para ir ver as meninas, o Sr. Cachimbo já estava de roda delas, tinha conseguido convencer a mãe a dar de mamar à mais nova e preparava-se para lhes fazer o teste rápido da malária.

– Sr. Cachimbo, que ideia maravilhosa ter trazido testes rápidos!
– Eu ando sempre com alguns, Doutora. Nunca se sabe se vamos encontrar alguém que precise…

Ah, aqueles homens no seu melhor! Moçambique no seu melhor! Sorri, agradecida por aquele momento de tranquilidade e, de repente, voltei a ouvir o silêncio da savana e a sentir o cheiro do mato.
 
(continua...)

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