Instantes do caminho...
Eu estava quase arrependida de ter aceitado meter-me à estrada sozinha… Ou pior ainda, sozinha com um bêbado e com um chato…
Felizmente nesse momento começámos a ver ao fundo, à beira da estrada um grupo de pessoas que caminhavam carregadas com cestos, nitidamente com os seus haveres, comida e utensílios de cozinha. As mulheres de cabeça coberta, os homens também carregados e com duas crianças no colo. No meio das cantorias e palmas, comecei a ouvir o Sr. Rafael dizer:
– Levam criança doente.
– Pois, deve ser, Sr. Rafael, devem ir para o hospital – finalmente alguém mudava de assunto, graças a Deus…
– Doutora dar boleia.
– Eu, Sr. Rafael? Mas e se temos um acidente? E se eles me caem da caixa aberta do jipe?
– Doutora… dar boleia.
– Mas, Sr. Rafael, não acha perigoso para eles? O que acha, Sr. Cachimbo?
– Eu concordo com o Sr. Rafael. Vamos dar boleia, Doutora, eles estão a passar mal…
– Sim, eles estão em dificuldades – balbuciou o Sr. Rafael com a voz entaramelada. – E vão ajudar a trocar pineu. Assim vamos mais rápido…
– Eles vão o quê?
– Trocar pineu… Eu não consigo, eu tem problema di perna…
– Trocar o quê?
– O pineu, Doutora, trocar pineu furado!
– Oh, valha-me São Cristóvão…
Mas seria possível?! Pelos vistos a impressão de que se passava qualquer coisa com o carro não tinha sido só impressão minha… Mas porque é que eu tinha de ser tão loira, caramba? É o que dá a falta de experiência na condução. Tinha furado um pneu naquela malfadada curva e o Sr. Rafael tinha-se apercebido de tudo! Por momentos fiquei furiosa, mas provavelmente ele não me tinha dito nada porque nem sequer lhe tinha ocorrido, no estado em que estava. Só se devia ter lembrado de esperar que encontrássemos alguém para nos ajudar. Mas, sinceramente, bem que me podia ter poupado um pouco mais as coronárias…
Parámos perto da família que caminhava à beira da estrada e já nos fizera sinal para pedir boleia. Saí do carro.
– Salama, papá.
– Salama, Irmã.
– Ihali? Novidades?
– Estou bem, não sei do seu lado.
– Estou bem, obrigada. O senhor tem criança doente?
– Sim, Irmã. Está com diarreia. Estou a pidir boleia para Nampula. Hospital Central...
– Deixe-me vê-la.
A criança não podia ter mais de 6 meses e saltava à vista que estava prostrada, a arder em febre e desidratada. Mais do que desidratada. Estava seca! E com aquela respiração superficial de quem está a entrar em choque. A irmã dela teria dois anos e parecia um pouco menos grave, mas também tinha febre e estava prostrada. Era preciso fazer alguma coisa por elas, ou possivelmente não chegariam vivas.
(continua...)
Meu Deus! Que aventuras! Qualquer dia vais poder escrever um livro ;)
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