terça-feira, 11 de outubro de 2011

[a viagem para nampula] o sr. cachimbo...


Um dos pavilhões do hospital...
(Iapala, Nampula)

(continuando...)

À porta do hospital, o técnico de laboratório, o Sr. Cachimbo, esperava-me para me pedir para ir comigo até Nampula. As notícias em Iapala corriam como um rastilho e já todos sabiam que eu partiria nesse mesmo dia.

Eu simpatizava com aquele jovem técnico, recém-formado. Era natural de Angoche, mais para o litoral, mas tinha um aspecto de homem nascido mais a Sul, alto, com um tronco bem delineado e músculos definidos, bem diferente dos macuas baixos e atarracados de Iapala. Tinha sido colocado em Iapala por sorteio nacional, um desterro atrás do sol-posto para qualquer jovem com vontade de se divertir. Era o seu primeiro emprego e parecia ainda muito verde, mas era competente e incansável, algo de tão raro que me surpreendia.

Saía pouco do hospital, não bebia álcool por imposição da sua religião muçulmana e, a cada doente que chegava, nem esperava que eu viesse. Fazia a admissão, perguntava o motivo de vinda ao hospital e, se tivesse algum sintoma de malária fazia o teste por sua própria iniciativa. Quando eu chegava ao hospital para o ver, o doente já vinha com um papel com o nome, a idade, o motivo de consulta… e o resultado do teste de malária! Um luxo nunca antes visto!

A Irmã Lurdes franziu o sobrolho. Não lhe tinham escapado os olhares insinuantes que o Sr. Cachimbo, bem-parecido, simpático e da minha idade, me mandava sempre que podia. Eu fingia-me desentendida e tudo sempre tinha corrido bem. Não acreditava que ele passasse dali e dava-me jeito relacionar-me bem com um técnico tão prestável. Já era praticamente o meu braço direito no hospital e era muitas vezes uma companhia agradável de conversa nos tempos mortos.

A perspectiva de passar tantas horas com ele ao meu lado no carro já não me agradava tanto, sobretudo porque ia estar nervosa e possivelmente em dificuldades. Mas talvez me fosse útil, já que o Sr. Rafael iria alcoolizado. A Irmã Lurdes pelos vistos pensou o mesmo, mas advertiu-o de que se não me respeitasse na viagem se haveria de ver em apuros com ela! Ele fez um ar meio ofendido meio sorridente, de quem no fundo achava graça que alguém colocasse a hipótese de ele ter um relacionamento comigo…

- O senhor é casado? – Perguntou-lhe a Irmã.
- Não, Irmã, sou solteiro.
- E quantos filhos tem?
- Só ainda tenho dois, Irmã.
- E onde vivem eles?
- Com as mães deles, um em Angoche e outro em Nampula. Gostava de ir visitar o mais novo amanhã…

A Irmã Lurdes olhou para mim, como quem diz: “Estás a ver o estilo?”, mas bastou ver o meu olhar para perceber que estava a pregar aos convertidos e que aquela conversa era escusada. Se havia coisa para a qual eu não estava virada era para aventuras improváveis ou amores impossíveis. O Sr. Cachimbo aproveitou a deixa para desaparecer, antes que mudássemos de ideias.

(continua)

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