terça-feira, 13 de abril de 2010

[improbabilidades] ou como não borrar a pintura




Uma das cenas mais hilariantes da minha estadia em Iapala decorreu na igreja que estava a ser restaurada. Tinha sido quase completamente destruída durante a guerra civil, altura em que era utilizada como refúgio para a população que procurava o apoio dos missionários. As obras estavam bastante adiantadas, embora, segundo as Irmãs já pudessem mesmo estar terminadas, não tivesse sido um equívoco do pintor, que desgraçadamente atrasara mais de vinte dias as obras e quase duplicara o orçamento…

Pois… inacreditavelmente, num dia em que o responsável pela obra estava fora, o pintor tinha rebocado inadvertidamente uma das paredes com a massa que utilizavam para regularizar as fissuras das paredes e tapar os buracos de balas. O reboco tinha ficado perfeito, isso todos tinham de reconhecer… o problema é que a dita massa sorvia a tinta como se fosse um polímero superabsorvente! Durante os dias seguintes, sem que conseguisse perceber porquê, o pintor tinha tentado pintar a parede do altar com demãos atrás de demãos e esgotado baldes de tinta branca atrás de baldes de tinta e a parede continuava impávida e bege, como se nunca tivesse recebido um único salpico… Inicialmente intrigado e depois aflito com o estranho fenómeno, só ousou avisar o responsável alguns dias depois, quando já era de todo impossível disfarçar o enorme rombo na provisão de tinta.

– Não é possível! O pintor está a roubar tinta para a casa dele! – tinham dito as Irmãs quando o responsável as foi alertar para o prodígio que se passava.
– Mas não é possível, eu estou sempre aqui com ele. A tinta desaparece toda nem meia hora depois de ser aplicada… – respondia o responsável.
– Irmã, tem feitiço nesta igreja! – gaguejava o pintor, mais assustado que todos os outros.
– Tem feitiço! – repetiam já os habitantes da Missão. – Foi por causa de todos os que foram massacrados durante a guerra dentro da igreja. Os espíritos dos antepassados ficaram na parede atrás do altar porque era onde as pessoas se escondiam durante os ataques.
– Não brinquem connosco! – respondiam as Irmãs.

O responsável já planeava chamar um feiticeiro para espantar os maus espíritos – às escondidas das Irmãs, obviamente, que já estavam quase a perder a paciência – até que deu por falta da massa para cobrir as irregularidades das paredes e o feitiço se quebrou no mesmo instante. (Bem, ao menos não sou só eu que sou loira nesta terra…)

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