quarta-feira, 14 de abril de 2010

[improbabilidades médicas] uma crise de soluços

O mentor espiritual desta blogger mulata certa vez teve uma crise de soluços. Nada há de extraordinário nisto, não fosse dar-se o facto de a crise ter sido desencadeada por um desgosto de amor e ter sido tão prolongada que o colocou em perigo de vida...

Dois dias depois do início da crise, exausto de tanto soluçar involuntariamente (sem nunca ter chorado, obviamente, que um homem não chora!) telefonou-me. A início não liguei nada. Que mal poderia advir de uma crise de soluços? Quase levei a peito. Mais valia que chorasse a sério no meu ombro e não deixasse o corpo chorar por si nesse chove-não-molha tão incomodativo. Retorquiu que não era nada disso. Estava com uma grande ansiedade, sim senhor, estava de coração partido, era verdade, mas que não tinha vontade de chorar. Tudo bem, respondia eu, que era certamente tudo verdade, que o psiquiatra era ele, mas que isso era o corpo a chorar por ele, que viesse tomar café comigo que era o que fazia melhor... Não veio. De onde se conclui que um homem que não chora também não toma café com as amigas.

Mas no dia seguinte, depois de uma noite sem conseguir adormecer, ele estava uma lástima e com sensação de morte iminente. Com o optimismo que me caracteriza quando trato de pessoas de quem gosto e com os remorsos de quem tinha desvalorizado a situação clínica, comecei a pensar em coisas selvagens: um abcesso subfrénico, um tumor do tronco cerebral, uma neoplasia da pleura... Lá nos fizemos ao caminho para o São Francisco e, metodicamente, começámos numa ponta (na TAC de crânio, obviamente) e acabámos na eco abdominal. Nada. Saudável que nem um pêro, que um homem que não chora e que não toma café com as amigas também nunca tem nada de grave, ora essa, era só o que faltava.

Ficámos a olhar um para o outro... O que fazer a seguir? Seria desta, então, que íamos tomar café? Também não... Que a sensação de morte iminente não passava, que já quase não tinha forças, que se sentia mesmo mal, que estava quase a desfalecer. A sorte dele é que conseguia mesmo parecer o que dizia, respondi, de outra forma já estaríamos fora dali, na Versailles, a tomar café. E lá fomos para o laboratório fazer uma gasimetria. E qual não foi o meu susto, que ele estava com uma alcalose respiratória descompensada, com uma hipocaliémia e hipocalcémia (era grave, meus amigos, era grave...).

Pronto, já estava convencida. Que tínhamos de resolver aquilo (caraças para os homens que não choram, que são sãozinhos que nem um pêro, que não tomam café com as amigas e ainda por cima as deixam assim em situações difíceis) e só havia uma maneira, tinha de ficar internado e fazer uma injecção intramuscular de cloropromazina...

Que não, que nem pensar! Que me estava a esqucer que era psiquiatra naquele mesmo hospital e que não podia ficar internado a fazer um antipsicótico. Nem que fosse life-saving. Ora, que como eu própria sempre dizia, ele que não se preocupasse, que mesmo que um psiquiatra desse em doido nunca perderia a reputação entre os doentes. Nem mesmo entre os enfermeiros. Que não me fizesse de engraçadinha, que nem por sombras ficaria no hospital!

Estaria eu a ouvir bem? Para minha casa?! Nestas condições, se ocorresse alguma complicação havia risco de mortalidade (que 20% não era brincadeira!), mas foi inamovível. Ou em minha casa ou preferia morrer. Caraças para os homens que não choram mas que em situações destas se tornam drama-queens! (E vamos lá despachar isto que tenho de ir trabalhar). Então resumindo, passei uma das piores noites da minha vida com ele a dormir placidamente na minha cama, depois de os soluços terem passado. Doze horas depois, acordou muito bem disposto, embora a falar à "Prlesidente da Xunta" e a dizer que achava que se calhar precisava de um café para acordar...

De onde se conclui que os homens que não choram, também vão às vezes tomar café com as amigas, mas em pijama, depois de uma noite em casa delas... e só depois de uma dose valente de antipsicóticos...

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