quarta-feira, 5 de outubro de 2011

[improbabilidades] viajar no mato... sozinha



O ponto de partida...
(Iapala, Nampula)

(continuando)

A Irmã Lurdes lá me ia tentando animar com a perspectiva de ir sozinha para Nampula:

- Não te preocupes, que tudo se faz! Se fores devagar tudo se consegue. Eu tirei a carta já aos cinquenta anos em Nampula, em plena guerra civil e quase no mesmo dia vim para Iapala sozinha num carro velhíssimo. E nessa altura não havia estradas como estas, eram só buracos quase tapados pela vegetação. Era proibido circular, havia minas por todo o lado, não se podia sair do caminho nem que fosse para ir fazer chichi porque podíamos pisar uma mina.

- Credo! Mas não havia alternativas? O comboio não circulava?

- Circulava, mas só em determinados troços. Às vezes tínhamos mesmo de ir de comboio, sim, quando estávamos sem carro ou era preciso ir a um local onde não houvesse estradas. Mas era sempre uma odisseia. Qualquer viagem se podia prolongar por semanas a fio… Se houvesse uma emboscada, ali ficávamos até os guerrilheiros nos deixarem seguir novamente.

- Santo Deus! Mas assim não tinham maneira de continuar a viagem?

- Mas como, amiga? Estávamos incomunicáveis, não tínhamos meio de pedir que nos viessem buscar, não se podia sair do comboio e caminhar, mesmo que estivéssemos perto, porque no mato podia haver minas. Tínhamos era de ter muita paciência e ir prevenidas com sacas de arroz, peixe seco, feijão, óleo, carvão para cozinhar, e tachos e pratos e talheres e sei lá o quê mais… Ah, e medicamentos. Se caíssemos doentes com malária ali ficávamos. Podíamos morrer sem que ninguém pudesse fazer alguma coisa por nós. Eu levava sempre a minha mala cheia de medicamentos e acabava quase sempre por salvar vidas…

- Dias difíceis…

- Nós tínhamos de aguentar! Fazer o quê? Os dias que fossem necessários. Os que estavam à nossa espera é que passavam mal, com o sobressalto de ver passar os dias e nós a não chegarmos… Morria muita gente nessa altura.

- Mas e de carro? Era mesmo proibido circular?

- Para nós não. Os missionários circulavam com uma autorização especial e tínhamos uma fita azul no carro que nos identificava. Os guerrilheiros, graças a Deus, tinham muito respeito pelos missionários, porque nós não abandonámos o povo nunca e passávamos as mesmas dificuldades que eles... Portanto, voltando à tua viagem, bem vês que também tive de puxar pelas unhas e que tudo se faz!

- Mas tirou a carta em Nampula, é diferente, estava mais preparada para conduzir no mato…

(continua)

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