quarta-feira, 21 de abril de 2010

[welcome to mozambique] os recados



A minha primeira estadia em Iapala começou mal. Cheguei com dois dias de atraso, preocupada porque podiam estar aflitos à minha espera mas, apesar de não haver telefone ou telemóvel em Iapala, já tinham conseguido avisá-los de que eu só chegaria depois.

Não tinha sido fácil… Enviar uma qualquer mensagem para Iapala era um projecto altamente planeado, que envolvia uma estratégia complexa, que era necessário seguir à risca. O processo iniciava-se com um tempo variável de antecedência, à noite depois do telejornal, altura em que se viam as previsões do tempo para os dias seguintes e se ponderava qual o dia mais propício, no qual as ondas de rádio poderiam vencer os 180 quilómetros barreiras, com saltos de obstáculos electromagnéticos, por cima de montes, montanhas, colinas e através de alguma trovoada fora de tempo na estação seca.

Felizmente que as ondas de rádio são uma invenção de países laicos e civilizados e não temem os deuses africanos e os seus maus-olhados, nem se desunham para cumprir os ritos sem os quais qualquer outro veículo de comunicação africano se atreveria a atravessar a sua própria terra. Já viram como seria se as ondas electromagnéticas tivessem de cumprir um ritual de três dias só para atravessar o monte Iapala, envolto em tantos mistérios e tabus...

Ora, pois, escolhido o dia, era necessário começar bem cedo a tentar telefonar para o último posto de telefone, que haveria de comunicar com o último posto de rádio, para além do qual não havia mais ondas aventureiras, nem postos receptores e onde o que alguma vez aconteceu de mais parecido com um choque tecnológico foi a colisão de uma carripana contra o gerador municipal, o mesmo que habitualmente fornecia toda a electricidade da localidade durante três horas por noite, das sete e picos às dez em ponto.

Começava, então o penoso trabalho de tentar negociar com o operador da tal última estação de rádio a transmissão do recado (telegráfico e simplificado ao máximo, não fosse distorcer-se a meio do caminho), ao condutor do chapa que partiria nesse dia para Iapala.
- Eu depois vou aí agradecer-lhe pessoalmente! - prometíamos, no meio de interferências de ruído branco - Diga, por favor, ao motorista do chapa que transmita à Irmã Lurdes o nosso recado. Quando ele lá chegar, ela também lhe vai dar uma boa pagela [gratificação].

Claro que com tantos intermediários pelo meio, todos se poderiam desculpar uns com os outros e exigir uma recompensa por um serviço que não tinham prestado. Por isso era tão importante escolher bem a data da comunicação de acordo com o estado do tempo, porque com chuva ninguém se põe a caminho para fazer favores a ninguém. Lá nisso... todos diferentes, todos iguais! E, com um pouco de sorte, muitas promessas e várias penhoras de honra depois, lá seguiam, o recado, a sorte e as várias promessas, a bordo do ubíquo e famosíssimo meio de transporte moçambicano rumo ao reino de Iapala. E contra todas as expectativas, vinte horas depois, o recado "Afinal chegamos no sábado. Irmã Conceição." chegou.

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