quinta-feira, 8 de abril de 2010

[encantos de primeira vez em áfrica] o tio vasco



Ao portão do recinto onde ficava o Centro de Saúde da Casa do Gaiato, onde trabalhei em 2003, estava sempre o segurança, o tio Vasco, e tenho de reconhecer que a Irmã que o tinha colocado naquele posto só podia ser uma pessoa com uma criatividade e poder de observação notáveis.

Posso pedir-vos para fazerem um exercício comigo? Têm à vossa disposição todas as pessoas da aldeia, pois não há praticamente emprego, mas não podem exigir qualificações, uma vez que poucos têm sequer a escolaridade mínima... Numa zona já desminada, sem grande violência no dia-a-dia, qual o perfil que escolheriam para um segurança de um Centro de Saúde? Controlador? Intimidante? Correcto e incorruptível? Com capacidade para proteger os trabalhadores e os equipamentos?

Bem, eu digo, a sua principal característica da personalidade era ser um coscuvilheiro de primeira apanha, daqueles mesmo do tipo não-há-nada-que-eu-não-saiba-ou-não-venha-a-saber! Aquele homem era um autêntico agente infiltrado! Perdoem-me o preconceito. Se calhar a potencial utilidade desta perturbação da personalidade foi imediatamente evocada por todos os estimados leitores, mas a mim não me tinha passado pela cabeça. E já agora perdoem-me também o abuso de linguagem, que este blog pretende-se assim mais para o científico do que para o comezinho e ser cusco não é, evidentemente, perturbação mental nenhuma (ou pelo menos é aquela história: não vem no DSM-IV...)

Mas adiante... o tio Vasco era absolutamente extraordinário: nunca mais voltei a ter alguém que me desse parte dos doentes que eu tinha visto depois de os ter mandado para casa. Era melhor que uma equipa domiciliária de follow-up: sabia tudo sobre os doentes que tinham passado por ali. Foi ele que um dia deu o alerta de que não tinha visto nesse dia uma senhora viúva que tinha estado no Centro de Saúde no dia anterior com uma gastroenterite aguda e pouco tempo depois foram a sua casa, onde a encontraram caída e muito desidratada.

Sempre que ficava preocupada com um doente bastava lembrar-me do nome dele e perguntar por ele ao tio Vasco:
– Tio Vasco, que é feito da D. Eugénia?
– Começou a tomar o antibiótico há dois dias e esta tarde saiu para a machamba. Já estava melhor.
– E como está o Professor Sebastião?
– Está com malária de três cruzes e não consegue sair de casa, mas a filha foi levar-lhe comida e diz que já tem apetite...

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