sábado, 28 de abril de 2012

[welcome to mozambique] não, ninguém me tinha dito que ia ser fácil...

(continuando...)

As meninas deixaram-me e voltaram para casa, que eram horas de fazer o jantar. Eu queria ir visitar o menino que tinha internado com diarreia. Já estaria melhor?


Entrei na enfermaria, mas não estava ninguém lá dentro. Onde estariam as crianças internadas? Eram umas nove ou dez esta manhã. Teriam fugido todas esta tarde? Mas algumas estavam tão doentes, como era possível que os pais as levassem dali? Ouvi uma voz atrás de mim:

– Boa noite, irmã! – a mãe do menino que eu tinha internado vira-me e atravessara o pátio, vinda da cozinha comunitária, onde preparava o seu jantar e o do marido.
– Boa noite, mamã. Como está a criança?

O menino, na capulana às costas da mãe, estava pior. Muito pior. Os olhos mais encovados, a língua menos húmida, um olhar mortiço… Notei que não tinha nenhum cateter na mão para lhe ser administrado soro na veia.

– O menino tem estado a vomitar?
– Sim.
– Vomitou quantas vezes?
– Sim.

Não me compreendia… Fui chamar a Dona Ana, a servente da maternidade, que descansava debaixo do cajueiro do pátio para me traduzir a conversa.

– O menino tem estado a vomitar?

Que não, não tinha vomitado. Mas, mamã – insistia eu –, ele estava muito pior… Tinha recusado o soro? A mamã respondia que não, não tinha recusado. E estava a recusar o leite materno? Que sim, um pouco… Mas que quantidade de soro tinha bebido, então? Ao que a mamã respondia que nada, não tinha bebido soro nenhum…
– Como? Mas então não lhe deu o soro oral? – indignei-me.
– Doutora, ela diz que não lhe deram.
– Não lhe deram soro? Pergunte bem… Eu prescrevi soro oral no processo!

Falaram algum tempo. A Dona Ana num tom acusatório para com a mamã, que respondia em voz baixa e com os olhos fitando algum ponto bem atrás de nós… Por fim:

– Doutora, ela diz que o enfermeiro lhe deu um pacote e disse que era para ferver um litro de água e dar à criança. Ela não lhe deu porque não percebeu o que era para fazer com o pacote e não tinha nenhum recipiente para ferver um litro de água…
– Oh, valha-me Deus! Mas são as mães que têm de fazer isso?
– Sim, se o enfermeiro não preparar o soro, são as mamãs que preparam.
– Mas ele não deu conta que a mãe não tinha dado o soro à criança?
– A criança não está na enfermaria, as mamãs não ficam com elas lá dentro. E não fazem nada do que nós dizemos, na maternidade é a mesma coisa. É difícil controlar as coisas aqui – justificava-se a Dona Ana.
– Mas eu também prescrevi soro endovenoso. Isso também não está feito!
– Não sei, doutora.
– Mas pergunte à mãe o que se passou, se faz favor.
– Ela não deve saber.
– Mas pergunte, pode ser que saiba.

 (continua...)

2 comentários:

  1. Às vezes as pessoas fazem-me exasperar tantoooooooo aqui... Mas aí eu penso como a minha guru em africa me ensinou: "É exotico!", e a coisa fica ligeiramente melhor...

    Beijo da cidade das acácias

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  2. Eu nessa altura ainda não tinha conhecido o meu guru espiritual do "modo África"...

    (um) beijo de mulata

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