As "meninas das irmãs"...
(Iapala, Nampula)
(continuando...)
Ao início da tarde eu já estava
sozinha a trabalhar, os enfermeiros e serventes tinham desaparecido da urgência
quando perceberam que eu tinha mesmo intenção de atender as pessoas,
deixando-me ali sem apoio nenhum.
A língua era uma barreira, mas de uma maneira
ou de outra, com a ajuda de alguns familiares que falavam português e com uma
linguagem gestual improvisada, já tinha orientado os mais de trinta doentes de
forma mais ou menos satisfatória. Foi quando duas meninas me apareceram na sala
de urgência para me dizer que a irmã Lurdes me chamava para almoçar. Nesse
preciso momento chegou uma outra criança de dois anos trazida pelos jovens
pais, que ostentavam a face mais desesperada que vira o dia todo.
– O que se passa com o menino?
– Tem diarreia, irmã.– Eu não sou irmã, sou só médica – expliquei, sorrindo, pela enésima vez nesse dia.
– Sim, irmã médica.
A criança estava desidratada, mas
não era muito grave. Não tinha outros sinais de doença. Ainda estava a ser
amamentada pela mãe e não tinha vomitado o leite materno.
– Há quanto tempo está com diarreia?
– peço às meninas para me traduzirem, já que neste momento não está mesmo mais
ninguém por ali.
Ao que parece, desde hoje. São de
uma aldeia a 20 quilómetros daqui onde na semana passada houve um surto de
cólera e morreram algumas pessoas, na sua maioria crianças. Pergunto se alguma
das pessoas afectadas pela cólera está agora internada no hospital, mas dizem-me
que não. Ninguém veio ao hospital! Vieram com esta criança porque estão
assustados. Já viram morrer muita gente com esta doença e estão ali para tentar
fugir ao mesmo destino. Mando chamar o enfermeiro. Pergunto se tem um
determinado antibiótico, se lhe pode colocar um soro na veia, se temos soro
oral para lhe dar. Diz-me a tudo que sim. O menino só precisa de fazer o teste
da malária, nada mais. A criança fica entregue.
As adolescentes que tinham vindo ter comigo eram duas das sessenta
meninas que viviam com as irmãs, num lar anexo à casa, para poderem estudar na
escola secundária durante o ano lectivo. Muitas eram órfãs, a maioria com
famílias demasiado pobres para conseguirem pagar sequer um décimo da
estadia, quase todas com histórias de vida tão terríveis que podiam
fazer qualquer adolescente perder a vontade de se levantar da cama todas
as manhãs, quanto mais de continuar a estudar. Só iam a casa nas férias e
voltavam sempre mais magras, com doenças por tratar e com mais histórias
tristes para contar... Mas tinham uma força e uma alegria de viver
contagiantes. E se dançavam entusiasticamente todos os dias na missa,
imaginem o que era às vezes aquela casa depois da missa... Uma animação
indescritível que atraía metade da vizinhança!
(continua...)
Sem comentários:
Enviar um comentário