Eram horas da missa e
depois tínhamos de ir jantar. Não queria perder nem por nada a minha primeira
missa em Iapala, onde as meninas dançariam mais uma vez, numa dança mais
sóbria, mas ainda assim lindíssima, perfeitamente sincronizada e com cânticos
de enfeitiçar o ouvido mais duro… Ao jantar desabafei com as irmãs sobre o
sucedido no hospital. Não pareceram de todo surpreendidas. “Aqui nesta terra é
sempre assim. A irmã Sarala esgota-se no hospital. Tem de se estar
permanentemente em cima de tudo. Não sei como não morrem muito mais pessoas…
Aqui é tudo por Deus!”
Mas como era possível?!
– Aqui o povo não confia
na medicina do hospital. Só vêm em último recurso, depois de terem ido ao
curandeiro. E depois há muitas crenças e tabus que vão radicalmente contra
aquilo que lhes é dito para fazer e também ninguém lhes explica as coisas da
melhor maneira… – a irmã Lurdes transmitia-me o seu amor pelo povo, apaziguando
a minha zanga com a calma da sua experiência.
– Mas a mãe parecia que
não se importava! Nem para nós olhava…
– Se não se importasse não
tinha vindo ao hospital. Olha que é um esforço muito grande para eles. As
pessoas têm de arranjar mantimentos, pedir a vários familiares que os
acompanhem, e deixar os outros filhos entregues à família. Eles são de onde?
– De uma aldeia a 20
quilómetros daqui. Não fixei o nome…
– Pois… ninguém se desloca 20
quilómetros a pé, com a família toda se não se importar com a criança doente. A Dona Ana é que deve ter
falado com ela de forma muito malcriada, como sempre.
– Sim, é verdade.
– Quase todos os
enfermeiros e serventes tratam muito mal as pessoas do povo, parece que têm
gosto em humilhar as pessoas e não lhes explicam nada do que elas devem fazer.
E para uma pessoa que já não confia no hospital, é muito difícil seguir uma
recomendação dada naquele tom…
– Nem posso acreditar!
– Há excepções, claro, mas
a maior parte são profissionais muito mal formados. E pouco competentes.
– Pois… por um lado achei
que podia ser isso, mas a mãe também podia ter ido ter com o enfermeiro para
pedir para lhe explicar como é que se dava o soro.
– Nem lhe deve ter
ocorrido, coitada, ela nem sequer deve saber para que serve o soro… E depois se
calhar tem medo de ser maltratada pelo enfermeiro, ou que ele lhe peça um
suborno. Ela de certeza que não tem dinheiro…
– Credo!
– É assim, amiga. Nem
todos os profissionais fazem isso. E, mesmo os que fazem, não fazem isso
sempre, nem a qualquer pessoa. Mas a fama persegue-os…
– Isto parte o coração…
– É verdade! Temos
recebido muito voluntários aqui na missão que vêm com algumas ideias românticas
sobre o país, mas isto não é um mar de rosas. Há muita gente que se deprime e
não aguenta o choque de ver tanto sofrimento e tanta indiferença…
– Não admira…
– Sim… África… não é para
todos!
– Pois… não deve ser, não…
Bem, é melhor voltar lá para ver como estão a correr as coisas.
(continua...)
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