Instante no Kruger Park
(África do Sul, foto da R.)
(continuando...)
– Mas... e no meio disso tudo não há ninguém que fale claramente do que aconteceu, não há ninguém que clarifique os sentimentos ou que explique como é que se deve fazer para a próxima?
– Não, ninguém fala. Só às vezes os homens quando bebem.– Mas não há ninguém com ética nesta terra? Ninguém que dê o exemplo?
– Há, claro! Muita gente. O que eu acho é que é muito injusto para as pessoas. Sobretudo para os jovens e para os adolescentes. Eles têm uma consciência e sofrem como toda a gente. Só que têm de aprender às próprias custas que sofrem menos se não fizerem certas coisas. Mesmo que essas acções não sejam condenadas pela sociedade. Ou mesmo que ninguém saiba.
– Pois!
– É isso que eu tento explicar às meninas todos os dias. Que podem evitar o “muru tokotokho”, ou os remorsos, como tu dizes, e vão sofrer muito menos se não brincarem com os afectos, se não se envolverem com alguém de quem não gostam, se não prejudicarem os outros, se não roubarem…
– E elas entendem isso?
– Acho que só entendem quando passam por isso.
– E o que é que faz quando elas apanham a tal “cabeça grande”?
– Eu mando-as fazer cerimónia, claro, senão não passa nunca mais…
– Mas isso é reforçar esse comportamento e essa tradição. Não se consegue mesmo desmontar estas crenças?
– Eu nem tento. Elas vão um fim de semana a casa fazer a cerimónia, têm colinho da família e vêm geralmente mais bem-dispostas. Mas depois falo muito com elas, tento fazer uma reflexão sobre o que fizeram e o que sentem.
– Mas elas dizem-lhe o que foi?
– Não, claro! Mas eu geralmente sei. Ou foi um namorado que as deixou, ou foi alguém de família que faleceu e com quem elas tinham discutido sem fazer as pazes, ou foi alguma coisa grave com as amigas… enfim… geralmente não é muito difícil de perceber.
– Pois, os adolescentes são iguais em todo o lado.
– Sim, só que acho que estes são mais frágeis… Têm de aprender muita coisa às suas próprias custas. E é preciso ser muito inteligente para perceber o que se passa e ter crítica sobre a sociedade e a cultura. Não é fácil ter crítica quando não se pode falar com medo do que possa acontecer…
– Pois… não deve ser fácil. Mas nessas cerimónias vem mesmo a família toda?
– Vêm os que podem. Mas sim, geralmente vêm todos.
– E deixam tudo o que têm a fazer porque a menina teve um namorico, está envergonhada e portanto é preciso ir matar uma gazela?
– Bem, se pões as coisas dessa forma…
(continua...)
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