Carnaval em Bissau
(Foto da net, mas não me lembro de onde, desculpem...)
(continuando...)
Durante o internamento connosco, a Adama foi operada e ficou a ver razoavelmente, mas percebemos que a menina não tinha só uma cegueira grave. Tinha uma anemia e uma doença genética que a tornava susceptível a AVC e tromboses venosas. Por milagre nunca tinha tido uma coisa nem outra, mas teve uma complicação no internamento (uma neuropatia) que nos deu água pela barba até a conseguirmos pôr a andar novamente e sem dores...
Enquanto esteve connosco cativou-nos a todos. Aprendeu a falar Português, aprendeu as letras, os números, aprendeu a ler. Conheceu as ruas, a televisão, o computador, a internet, aprendeu a manusear monitores cardio-respiratórios, bombas infusoras, aprendeu os nomes dos medicamentos e a função de cada um. Foi de fim-de-semana para casa de várias amigas, companheiras de quarto que conhecera no internamento. Passou o Natal em casa de uma enfermeira e o ano novo em casa de outra. Não faltou quem se oferecesse para a levar para casa. Só não a conseguimos convencer a voltar a beber leite... "Problema de olho!", respondia invariavelmente com um ar quase ofendido. Questão absolutamente inargumentável! Também acho que nunca aprendeu a gostar da nossa comida...
Entretanto, meses depois, a menina já estava melhor e queria voltar para junto dos pais. Mas era arriscado... E se tivesse um AVC? E se a neuropatia recidivasse? E se descompensasse com uma malária ou outra doença tropical? E se... e se... Foi inamovível. Queria voltar para casa. Como era possível, comentavam as pessoas... Como era possível alguém que tinha agora luz eléctrica, água corrente, acesso a todo o conforto e informação, acesso à educação também... como era possível querer voltar para o mato, para uma palhota? Mas também havia quem a compreendesse... [Não, meus amigos, eu não era a única a compreender as saudades dela! A vida é mais simples do que pensamos. E não é preciso ter vivido no mato para saber que o preço a pagar por não ter o mesmo conforto é muito pequeno...] E, com a ajuda de uma voluntária do nosso hospital, foi possível angariar dinheiro para lhe pagar a viagem de regresso.
Na mala levava medicação para um ano inteiro, a referência do médico que a poderia acompanhar, com quem tínhamos contactado a partir de Lisboa, a promessa de que lhe enviaríamos mais medicamentos com a ajuda dos tios quando tivéssemos um portador, um telemóvel para falar connosco e muitas recordações do carinho dos enfermeiros, auxiliares e médicos que a tinham apadrinhado e acarinhado naquela estadia tão longa no hospital... Fomos ao aeroporto despedir-nos. Também nos ia deixar saudades...
(continua)
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