terça-feira, 12 de abril de 2011

[adama] histórias que fazem a vida valer a pena...

Menina...
(Carnaval em Bissau, foto daqui)

Há alguns anos atrás, no meu primeiro ano da especialidade de Pediatria, durante o estágio na Unidade de Adolescentes internámos uma menina de 16 anos, vinda da Guiné-Bissau ao abrigo do protocolo de cooperação com os países de expressão portuguesa. A doença que a fizera vir fora uma cegueira progressiva. A junta médica em Bissau tinha assinado a autorização para a transferência mais um ano antes, mas como quem tem a responsabilidade de pagar a viagem para Portugal é a própria família do doente, a menina tinha tido de esperar esse tempo todo até a aldeia em peso se ter conseguido movimentar para a ajudar a comprar uma passagem para Portugal. Uma passagem só de vinda...

Já no hospital, os tios com quem tinha vindo viver explicaram-me como fora que tudo se tinha passado. Que a menina cedo começara a deixar de ver, mas que os pais tinham negado a doença inicialmente. Pensavam que era uma "doença tradicional".
- Uma doença tradicional? Porquê uma doença tradicional? - interroguei-os.

Ao que parece os pais pertenciam a etnias diferentes e terem-se casado significara a quebra de um tabu profundamente enraizado. Tinham traído os antepassados, renegado as raízes. E sempre souberam que o facto de não terem conseguido resistir ao apelo daquele amor impossível poderia ter consequências graves nos filhos... A nossa menina tinha sido a primeira filha daquele casal. Chamaram-lhe Adama, que significa mulher bonita, amante ardente, em honra àquela paixão arrebatadora, que apesar do sofrimento pela culpa os fazia tão felizes.

Só quando os olhos da Adama passaram de escuros a azulados e, por fim, a totalmente brancos e a menina deixara de conseguir encontrar o caminho para o fontanário para ir buscar água para a família é que os pais se renderam à evidência de que não podiam continuar a fingir que não reparavam no que toda a aldeia já sabia... Foi então que começaram a procurar ajuda...

Seguira-se um longo périplo, primeiro com o curandeiro mais famoso das redondezas, que se recusara a ajudá-los por não haver remédio para a zanga dos antepassados. Desconsolados, procuraram outro curandeiro, igualmente conceituado mas muito mais longe, desta feita um homem de mente mais aberta, também ele casado com uma mulher de outra etnia e que delicadamente não se referira ao tabu quebrado pelos pais. Atribuíra a causa dos olhos brancos ao excesso de leite de cabra, que a menina bebia desde criança, já que o pai era criador de gado... Mas nada parecia ajudá-la. Acabaram por levá-la para o Hospital Simão Mendes, na capital, onde ficou internada durante meses, sem que também pudessem fazer o que quer que fosse por ela... Até que se decidiram a enviá-la para Portugal.

(continua...)

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