domingo, 3 de abril de 2011

[vozes brancas #43] um bebé na minha barriga

Há umas semanas atrás, na urgência de pediatria, num fim de tarde daqueles em que parece que nem tempo temos para respirar porque estamos a ver cinquenta meninos ao mesmo tempo e é preciso controlar quem é que já fez os aerossóis, quem é que já veio das análises, por que é que o bebé que mandámos fazer uma radiografia mas que estava um pouco aflito com falta de ar ainda não voltou e se o cirurgião vem do bloco de uma vez e nos atende o telefone, que temos uma menina que achamos que tem uma apendicite. Num daqueles dias em que juramos para nós mesmas que se o cirurgião nos tenta namoriscar com alguma daquelas piadinhas à empregado de mesa: "A menina tem defesa? E tem meio-campo e ataque também?" é desta que lhe damos uma resposta torta! Num daqueles dias em que não tivemos tempo para almoçar e só percebemos isso lá para as 17:00 quando demos por nós a embirrar sem razão com o choro dos bebés e nos obrigámos a fazer uma pausa depois do doente seguinte, antes que a situação se agudizasse...

E foi nestes preparos que chamei um menino de cinco anos e meio que há três horas esperava a sua vez de ser atendido. Motivo da vinda ao serviço de urgência: distensão abdominal há vários meses. Quinta vinda ao serviço de urgência pelo mesmo motivo. Respirei fundo. Controlei-me. O que tinha acontecido para vir precisamente hoje à "hora de ponta" ao serviço de urgência?
- Nada, doutora. É que ele não está melhor...
- Mas já falou com o seu médico?
- Não temos médico de família...
- Mas estou aqui a ver no sistema que já a enviaram a uma consulta de Gastroenterologia e que até faltou à consulta.
- Ó doutora, é que me mandaram porque me disseram que era para tratar da prisão de ventre, mas ele não tem prisão de ventre. Não ia lá fazer nada... Mas eu estou muito preocupada, por isso é que cá venho outra vez.

Comecei a hiperventilar... mas enfim... "quem diz a verdade não merece castigo", lá diz a minha mãe. Quem a referenciara à consulta não tinha conseguido transmitir segurança suficiente a esta mãe para a orientar. Tentei chamar a mim alguma paciência e mandei despir o menino.

(continua...)

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