Na consulta de ontem, um menino de quatro anos com gripe e uma dor de cabeça daquelas de ficar esparramado no sofá o dia inteiro sem ver televisão, a ponto de ter feito o inédito pedido à empregada de "por favor, importa-se de baixar o som dos bonecos?"... Aliás, tinha sido precisamente esse inusitado pedido que tinha alarmado a mãe. Sim, que ser aquele pirata a pedir para baixar a televisão era coisa nunca vista nem sonhada, veja lá doutora que este leãozinho deve estar mesmo muito doente, pois se ele nunca se queixa de nada...
- Mas deu-lhe alguma coisa para as dores?
- Não, Doutora, não lhe dei nada. Ele não tinha febre...
[Um clássico...] - Ah, está bem, mas pode sempre dar-lhe um analgésico se ele tiver dores... Onde é que te dói a cabeça, Duarte?
[Apontando para a fronte] - É aqui. Mas à tarde estava-me a doer de lado...
- E ficaste maldisposto por causa da dor de cabeça?
- Sim, fiquei com vontade de vomitar... [E, vendo o olhar subitamente horrorizado da mãe...] Mas era só vontade, eu não vomitei, mãe!
[Oh, valha-me a Santa, papéis de pais e filhos invertidos já tão cedo! A mãe conta com o filho para lhe acalmar a ansiedade... Nota mental: tenho de me pôr a pau com esta família, que qualquer dia rebenta tudo... Mas, enfim, agora o que é preciso é tratar a gripe, depois logo se trabalha o resto...] - E ficaste tonto?
- Sim, de manhã, quando me levantei, vi o candeeiro da sala a andar à roda. [E olhando a mãe de soslaio...] Mas agora já não.
- E como é que é a dor?
- ...
- Bem, Doutora, eu acho que ele ainda é muito pequenino para conseguir responder a esse tipo de perguntas...
- Tem razão, mas pode ser que ele consiga. Tenta lá dizer, Duarte, como é que é a dor? É assim sempre a doer ou é como se fosse alguém a bater?
- É assim como se fossem cólicas, mas mais rápido!
* Timbre da voz de uma criança antes da puberdade.
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