Pronto, eu não resisto. Nunca resisto a este chamamento. Consigo resistir a tudo menos à tentação... Que me perdoem os que vêm aqui ao mato para ouvir histórias de Moçambique, recordar, conhecer, sonhar com terras vermelhas e areais brancos a perder de vista, aplacar desejos e renovar amores... Já bem vos basta ouvirem-me babar vezes sem conta com as peripécias e vozes brancas dos meus meninos da consulta. Portanto perdoem-me, por favor, passem aos posts abaixo, que há por aí muitas histórias que ainda não leram, certamente. Já me conhecem, eu de vez em quando também faço serviço público.
A verdade é que quando alguém confessa fragilidades, feridas e angústias lá me apresso eu a ir fazer um penso rápido, a tentar mitigar dores e desfazer mitos... Desta feita, uma jornalista que tenho em grande conta confessou publicamente a sua inusitada angústia em ir a casas de banho de bombas de gasolina por receio de que lá esteja alguém a dar à luz (alguém viu Os Mutantes, de Teresa Vilaverde?). Por isso, aqui venho eu, caros amigos, dizer que não há que ter medo. Se a circunstância acontecer (e acontece aos melhores, eu que o diga), o importante é estar preparado, arregaçar as mangas e fazer-se à vida, que ela aí vem disparada!
Não custa nada, acreditem, mas de qualquer modo aqui vão umas dicas. Como fazer um parto numa bomba de gasolina em 20 passos:
1. Repetir como um refrão: "Faça força, faça força!" [Um segredo: por acaso não é preciso. As mães têm sempre uma vontade incrível de fazer força quando chega o momento da verdade, mas é como se fosse uma banda sonora que compõe o ambiente... e sempre dá um ar de maternidade.] Um outro refrão que também tem muita saída nas maternidades é o: "Respire!" É muito útil. Sobretudo se a parturiente sofrer da Maldição de Ondine. Ou então se for loira. De outro modo é improvável que se esqueça de que tem de respirar. Mas é bom para variar um bocadinho e dá um ar mais profissional à coisa.
2. Chamar o INEM. Mantenham a calma, eles demoram a atender mas atendem sempre. Mais tarde ou mais cedo lá atendem! Vá, respirem fundo também.
3. Continuem, então! Mas porque é que pararam? Repitam comigo: "Faça força, faça força!"
4. Não ligar às indicações dos senhores do INEM que lhes dizem que devem incentivar a senhora a não fazer força. Na melhor das hipóteses ela vai ficar angustiadíssima por estar a fazer força na mesma. Na pior das hipóteses arriscam-se a ser agredidos pela parturiente em fúria. E com toda razão! Não é propriamente possível controlar a vontade de fazer força uma vez chegada a hora.
5. Lavar as mãos.
6. Calçar umas luvas. De preferência cirúrgicas, mas as de lavar a loiça também servem. Em último caso podem dar uma corridinha rápida até às bombas para ir buscar aquelas luvas de plástico para as senhoras não sujarem as mãos quando estão a abastecer. Servem perfeitamente.
7. "Faça força, faça força que eu já venho, vou só ali buscar umas luvas! Mantenha a calma. Respire!"
8. Não se preocupe por as luvas não serem esterilizadas. Como dizia o meu mestre de Neonatologia: "O bebé também não vem de nenhum sítio limpo". De qualquer modo os pediatras já o vão cobrir de antibióticos porque nasceu numa casa de banho! Em qualquer circunstância não faça o parto sem luvas.
9. Peça ajuda à outra senhora que também está ali a servir-se da casa de banho e que até agora esteve a tentar passar de fininho - sim, eu sei do que falo. Está sempre outra senhora a servir-se da casa de banho ao mesmo tempo que nós e que tenta sempre passar de fininho quando estamos em apuros. Diga-lhe que vá buscar toalhas aquecidas e um fio limpo.
10. "Faça força, faça força, que está quase!" (Está de certeza quase, não é preciso ser-se profissional para saber que o miúdo está aí a rebentar!)
11. A outra senhora que não faça aquela cara. Que não diga que não sabe onde raio é que vai arranjar toalhas aquecidas e um fio limpo. Ela que vá ao restaurante da área de serviço ali ao lado e meta as toalhas no microondas, ou que as meta onde quiser, mas que traga o raio das toalhas quentes. E um fio limpo. Aqui deste lado temos mais que fazer!
12. Com um pouco de sorte o INEM chega nessa altura.
13. Com ligeiramente menos sorte (reparem, estamos no ponto 13...) vão mesmo ter de arregaçar as mangas e receber o bebé...
14. Incentivar a senhora e dizer "Faça força que está quase, quase! Já se vêem os cabelinhos." sempre que ela fizer força. Desta vez, por acaso, está mesmo quase!
15. Receber o bebé.
16. Não entrem em pânico se o bebé não chorar logo, logo. Se a senhora conseguiu fazer o parto sozinha é porque o bebé nasceu bem. E vai chorar não tarda.
17. Secar e limpar o bebé com as toalhas aquecidas, laquear o cordão umbilical com o tal fio (limpo!) e devolver o bebé ao colo da mãe. A melhor maneira de manter o bebé quente é colocá-lo em contacto pele-com-pele sobre o peito da mãe. O bebé pode aproveitar para mamar. Assim como assim, ele não tem nada mais urgente para fazer nos próximos meses...
18. Dar os parabéns à mãe porque o bebé é muito lindo e se parece muito com o pai. Toda a gente sabe que é muito importante nestes momentos dizer que o bebé se parece muito com o pai e nunca, sob qualquer circunstância, fazer referência ao padeiro. Assim como assim não conhecemos nenhum deles.
19. Telefonar ao INEM a desancá-los por ainda não terem chegado. Eles que ao menos venham a tempo da expulsão da placenta, irra! Ou será que têm de fazer tudo nesta casa?
20. Se a senhora começar com dores outra vez, que remédio senão arregaçar as mangas de novo e dizer à senhora para fazer "só mais uma forcinha, vá, que a placenta já lá vem e depois fica logo despachada".
Como vêem é muito fácil, podem ir a qualquer casa de banho onde literalmente vos apeteça. De nada. Sempre às ordens.
Pronto. Era só isto por agora. A emissão segue dentro de momentos...
Apesar da clareza do teu "Livro de instruções" não sei se fico convencida....
ResponderEliminarNão será mais fácil usar o meu poder de persuasão - aqui entre nós, é o que cultivam na minha faculdade - e fazer com que o INEM chegue em menos de 1 minuto?
Basta começar a proferir um rol de palavras como "negligência", "processo disciplinar" e acabar em "processo crime" ( acompanhadas de artigos do Código Penal fictícios uma vez que a cabeça tem coisas mais importantes para reter) que os faz pensar 2 vezes...
Em caso SOS há sempre uma Senhora amorosa que presta serviço público 26h por dia.... posso sempre ligar-lhe e dizer: " Querida P., vim a casa de banho e tenho de ajudar uma Sra. a parir: podes dar-me as instruções por telefone?!" Se ela não atender, resta-me recorrer ao seu blog - esperando que a net do tlm não esteja demasiado lenta - e "arregaçar as mangas"!
Afinal já as nossas avós faziam o seus partos! Por isso, qual é a especialidade dos partos de hoje?!
Lá está! É esse o espírito! ;)
ResponderEliminar(Ai tanto disparate, valha-me a Santa do Pau Preto...)
(um) beijo de mulata
AMEI!!! vou reter! apesar de os ler e ver nas aulas, ou até praticar vagamente em modelos, nada como um "guia fácil" de poucos passos. aqui há uns tempos veio uma história gira, gira, gira no expresso sobre uma menina que nasceu com uma ajudinha do pai (as mães e os bebés fazem quase tudo, não é?) que depois relatou a aventura num lindo texto na revista única. vale a pena!
ResponderEliminarADOREI!!! Verdadeiro serviço público!
ResponderEliminarBjs grandes.
E já agora, uma questão que me atormenta sempre... Para que raio é a água a ferver?
ResponderEliminarAdorei... mas deixo um conselho: não digam que se parece com o pai. (Nos dias de hoje...) Podem arriscar-se a levar com o balde dos papéis na cabeça!
ResponderEliminarMia, eu vi ainda um caso mais insólito, uma senhora que passou as passas do Algarve na auto-estrada para chegar à maternidade do meu hospital e, já no corredor da urgência, descontrolou-se de tal modo que se atirou a toda a gente a murro e a pontapé e só o marido é que lhe conseguiu fazer o parto... Enfim, o senhor também teve de arregaçar as mangas e puxar pelas unhas... A mãe é que foi um desperdício, tanto esforço para chegar, mais valia ter tido o filho numa cama, mas pronto...
ResponderEliminarAna, beijinhos também para ti...
Ruiva, a água a ferver não serve para nada, mas acho que antigamente era assim que aqueciam as toalhas...
Soneca, e eu que pensava que só não se podia dizer que o pai era parecido com o padeiro...
(um) beijo de mulata
Acho que a parte mais difícil é encontrar as toalhas aquecidas e o fio... O melhor será ser eu a encontrar a senhora primeiro, mandar a outra ir buscar o necessário e ficar a dizer força, força está quase ;)
ResponderEliminarNunca se sabe!
Moo, Uma vez que os seus ouvintes têm tendência a ser gente sofisticada, o melhor é explicar o que quer dizer "laquear" e como se faz, de outro modo vão pensar em dinastia Ming, biombos Meiji ou, eventualmente, pato à Pekim. Bj
ResponderEliminarolá, mulata!
ResponderEliminaro da salomé (a menina que nasceu com a ajuda do pai jornalista) pode ser lido aqui: http://www.inem.pt/PageGen.aspx?WMCM_PaginaId=33797
um beijinho