Magnífica cena do filme Palombella Rossa de Nanni Moretti.
Não chegaria ao ponto de Nanni Moretti, de agredir alguém por usar uma palavra fora de contexto, mas sempre fui muito sensível às palavras. Quando o tema é delicado, encontrar palavras que não magoem é difícil, e pode ser um desafio quando estamos perante pessoas hipersensíveis ou, de alguma forma fragilizadas. Aprendi cedo que não se deve usar palavras conotadas negativamente, mesmo que sejam "termos técnicos". É certo que se pode dizer parir quando falamos de maternidade, por exemplo, mas para quê se existem alternativas mais positivas, mais gentis, mais delicadas para falarmos com uma jovem mãe na sala de partos?
Mas este ano fui apanhada de surpresa por um Pedopsiquiatra que prezo e admiro imenso. Eu pedia-lhe ajuda para esclarecer o comportamento de uma criança que, por uma série de razões, me parecia autista. Ele perguntou-me então que mais lhe poderia eu dizer sobre a criança, ao que eu respondi que era uma criança meiga, sossegada, que gostava de brincar sozinha, com uma relação privilegiada com a irmã mais velha, que tinha uma atitude maravilhosamente protetora e maternal para com ele. Foi então que este meu colega me surpreendeu com a pergunta: "Acha que esses comportamentos chegam para o descrever?" Acho que nem percebi onde ele queria chegar. Respondi que não, que certamente que não, longe disso, que também era muito importante dizer que o menino tinha muitos aspetos a seu favor, que haveriam de jogar como fatores de bom prognóstico e de resiliência, que o tinha achado encantador e a mãe muito atenta e adequada aos seus problemas e dificuldades, e que ambos formavam uma díada fortíssima. "Então porque foi que disse que ele era autista?", foi a resposta.
Senti-me a jornalista desta cena da piscina no Palombella Rossa! Nesse momento senti vergonha. "Logo eu, que lutei tanto contra o estigma da lepra e do VIH em Moçambique, que nunca deixei que ninguém chamasse leprosos aos meus doentes com lepra!", pensava enquanto ele continuava: "Nós aqui não gostamos de dizer que uma criança é autista, mas que tem um autismo. Parece a mesma coisa mas o impacto é completamente diferente. É como se estivéssemos a dizer que o autismo não é tudo o que a criança é, que não a define como pessoa, que essa criança é muito mais para além do autismo e do seu comportamento." Claro. Claro que sim! Fazia todo o sentido. Acatei este conselho e fi-lo meu.
É verdade que as palavras não descrevem apenas factos, elas evocam sentimentos e emoções, têm cargas positivas ou negativas. Ou neutras. Podemos fazer a diferença quando falamos de forma positiva ou neutra, porque assim aligeiramos a carga emocional e podemos desfazer alguns mitos. Têm de concordar comigo que ao dizer que uma criança "é doente" nos estamos a resignar a um facto consumado, enquanto que se dissermos que o menino "tem uma doença", inevitavelmente alguém se chegará à frente a perguntar: "Então e agora, como é o tratamento?" É uma linguagem que permite avançar!
Ando sempre aqui a cuscar mas sempre em silêncio; hoje tenho de dizer-te:
ResponderEliminarÉ TÃO BOM LER-TE!
Também sou sensível às palavras e não podia ter concordado mais com este post. É certo que nem sempre conseguimos controlar o impacto de tudo o que dizemos, por vezes determinada expressão sai-nos sem querer ou nem pensamos que pode ferir alguém. Eu, por exemplo, acho a expressão "parir" tão bruta, que não sei como é que uma mulher grávida não fica ainda mais nervosa com o parto ao ouvi-la.
ResponderEliminarTrabalho diariamente com crianças com deficiências e de facto a forma como nos referimos à criança e ao seu diagnóstico tem um impacto grande na forma como a conversa prossegue, principalmente nos primeiros anos ou em diagnósticos recentes. Penso que ajuda muito os pais a pensarem além das barreiras e a centrarem-se nas forças e nos ganhos.
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