Pois é, meus amigos, ainda não foi desta... (Erguer de olhos para o céu, um suspiro.) Hoje levantei-me decidida! Haveria de ser desta, caramba, que um dia tem de chegar a minha vez, valha-me Deus e São Jerónimo, padroeiro das escriturárias (ou apenas das sagradas escrituras, mas os santos também podem ser padroeiros de outros departamentos que se prestem a confusão fonética, ou não? Pois... se calhar não, mas enfim, eu tinha fé!). E a minha vez haveria de ser hoje, eu sabia, sentia-o nos meus ossos (fica melhor em inglês, mas nós aqui no mato não falamos estrangeiro, que não nos fazemos de importantes). Macacos me mordessem se não seria a minha hora de interpretar o papel vencedor contra a burocracia dos papéis!
Já vos falei da minha saga. Queremos ir viajar mas não podemos porque ainda nos falta o cartão de cidadão. Já está quase, eu sei. Já faltou muito, mas muito mais. Mas ainda não está, canário!
Então hoje lá fui novamente ao Instituto dos Registos e Notariado. Certidão de curadoria do
baby:
check! Assento de nascimento:
check! Sentença de adoção plena e respetiva referência do processo do Tribunal de Família e Menores:
check! Tempo suficiente decorrido após a sentença de adoção para o trânsito em julgado*:
check! A minha identificação pessoal:
check! Dinheiro trocado para o parquímetro:
check! Livro para estudar na sala de espera:
check!
E lá fui. "Olhe, se faz favor, passa-se isto assim e assim, a modos que eu venho aqui solicitar a emissão de um novo assento de nacimento para o
baby-de-mulata". Após o que a senhora consultou uns documentos e me respondeu que isso era totalmente impossível. Ainda faltava o averbamento e sem isso nada feito. "Mas qual averbamento, minha senhora?" "O averbamento da sentença de adoção." "Mas disseram-me que o processo já transitou em julgado." "Sim, mas falta o averbamento, sem isso nada feito." "Então o que é que eu posso fazer?" "Bem, sem quiser mesmo saber o que se passa pode ir ali ao terceiro andar falar com a minha colega dos averbamentos." "Está bem!"
Fui ao terceiro andar. Entrei numa porta onde não dizia "Averbamentos", mas dizia "Entrada exclusiva para funcionários." e pensei: "Bem, deve ser aqui..."
E então a tal colega que sabia de averbamentos comunicou-me que nada tinha para averbar naquele momento e que, portanto, se a sentença ainda não estava averbada é porque ou o processo ainda não tinha transitado ou então o averbamento ainda não tinha chegado. Nada a fazer! "Então?", perguntei já conformada, "O que posso eu fazer?" "Nada, dê-lhe mais um mês, que o averbamento já deve estar pronto nessa altura!"
E pronto, nada a fazer! Sem averbamento não há documento. Ainda não foi desta! Mas para o mês que vem é que é, garanto-vos! Vou dar-lhe mais um mês, como a senhora dos averbamentos me prescreveu. Para que se ainda houver alguma coisa para transitar, que transite definitivamente e para que tudo o que houver para averbar, se averbe de uma vez por todas, que a verve já me falha e o sangue me ferve e, a bem dizer, eu não queria nada estar aqui a escrever isto, nem a fazer trocadilhos, queria estar aqui vitoriosa... Mas a nossa hora há de chegar. Ou eu não me chame beijo-de-mulata!
* Neste mato empregamos termos jurídicos para mostrarmos como somos cidadãos informados e assim passarmos a completa noção de que se os documentos ainda não foram emitidos, isso é da exclusiva responsabilidade da burocracia do sistema.