domingo, 22 de julho de 2012

[outras palavras] imposto de pele


Mercado...
(Nampula, Moçambique)

Continuando...

Estas pequenas aventuras do dia-a-dia acontecem porque a vida de grandes camadas da população se faz com enormes dificuldades económicas. Fazer apenas uma refeição por dia é bastante habitual nas pessoas da minha paróquia – situada numa zona residencial da Beira, segunda cidade de Moçambique. Acho que esta atitude tem uma justificação mais socioeconómica que racial, ou cultural. Ou seja, não acho que me roubam por racismo, nem porque na cultura local isso não seja moralmente tão grave como o é na minha cultura, mas acho que me roubam porque precisam e porque a necessidade embebeu a cultura tornando-a mais tolerante quanto ao roubo, e que isso se fixou numa altura em que os muzungus eram os únicos com educação superior à 4ª classe e, portanto, eram os que detinham o capital e os meios de produção, como diria Marx…

Finalmente, pergunto-me: como construir uma sociedade justa com a barriga vazia? Como não roubar o muzungu se esses parcos meticais fazem uma enorme diferença na alimentação dos seus filhos? Alargando a crónica do negócio entre particulares, para a relação do cidadão com o Estado, pergunto-me: como posso convencer alguém com fome a preservar o espaço público (o caixote do lixo, o banco para esperar os machibombos (autocarros) ou a areia da praia)? Qualquer uma destas coisas dá a uma família de classe baixa materiais para não ter chuva em casa, ou rendimento para dar de comer aos filhos.

 Acredito que construir um Moçambique mais justo, onde não se roube nem muzungu nem rico, terá que passar por uma alteração social de monta, só numa sociedade onde a sobrevivência esteja garantida se pode pensar em construir um Estado.

Moçambique está a começar a explorar grandes quantidades de petróleo, carvão mineral, fosfatos, gás natural, madeiras e recursos piscícolas. Esperemos que essa riqueza, que constitucionalmente pertence ao povo, possa originar a melhoria real das condições de vida das populações. O cenário actual, tanto em Moçambique como por essa África fora, é desanimador e aconselha prudência na futurologia, pois por todo o lado as diferenças sociais se agudizam em vez de diminuir, mas pode ser que desta vez…

4 comentários:

  1. AINDA.

    «- Não é nada disso! - corrigiu Machel. Vocês, europeus, não percebem nada de política africana!»

    in, Quase memória de António de Almeida Santos, p.117.

    Nunca acreditei em Machel, e muitíssimo menos em Santos.

    Com o devido respeito, e já o citei inúmeras vezes, Machel, neste específico/restrito item, está carregado de razão.

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  2. Que quer dizer com isso, Mr. umBhalane? Explique melhor, por favor. Quero muito ouvir a sua opinião...

    (um) beijo de mulata

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  3. Ms. Macangueira

    Explicando melhor, e não me complicando, Machel estava/está com razão - "Vocês, europeus, não percebem nada de política africana!".

    E acrescento/rectifico Machel, os da diáspora (longa), também não!

    Tendo até como muzungo, num sentido muito lato do termo, não só os "brancos".

    África/Moçambique AINDA - "prudência na futurologia, pois por todo o lado as diferenças sociais se agudizam em vez de diminuir".

    Tem que se esperar, muito.

    Mesmo, de verdade.

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  4. Eu sei, umBhalane, eu sei... Vai ser preciso crescer muito para as pessoas começarem a conseguir sair do seu mundo, do seu medo e misticimo. Por um lado vejo Moçambique cheio de escolas e de postos de saúde. Por outro lado vejo que na quarta classe são raros os meninos que sabem reconhecer sequer mais do que uma letra do alfabeto. Mas às vezes dói demais...

    (um) beijo de mulata

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