segunda-feira, 27 de dezembro de 2010

[pequenos milagres] a fonte dos amores que jorra do peito

Criança e sua mãe na Ilha de Moçambique, Nampula.

Faz agora três meses que uma bela noite, na enfermaria do hospital do Gilé, fui vítima de um pequeno acidente...

E vamos agora dar início a um longo parêntesis, que explica muita coisa sobre este pequeno incidente, é certo, mas que é totalmente desnecessário para a compreensão do essencial da história, portanto se tiverem de ir trabalhar/ dormir/ dançar/ outra-coisa-qualquer-que-honestamente-se-possa-fazer-em-vez-de-ler-este-blog ou se se recusarem a ler um post com este título inacreditavelmente piroso e quiserem passar directamente ao post seguinte, estejam à vontade.

[Meus caros amigos, quem vem aqui ao mato desde a sua fundação, quem já andou a cuscar ali pelas colunas da direita no estórias antigas, saudades loucas [andam amigas a beijar de boca em boca*] e foi parar a um milagre que certa vez aconteceu em Iapala, ou até quem me conhece pessoalmente sabe que sou uma fervorosa entusiasta do aleitamento materno e uma apaixonada, uma deslumbrada pelo realeitamento. Ou bem... pior, muito pior. Quem me conhece melhor sabe que tenho a mania que consigo fazer com que as mães tornem a produzir leite depois de o terem perdido e que levo sempre comigo, na minha bagagem para África, um medicamento que estimula a produção de leite e que anuncio como a última coca-cola no deserto!

Pior... ainda pior: quem me conhece verdadeiramente sabe que em África me recuso a fornecer leite de lata às crianças enquanto não estiver convencida de que o leite não vai voltar. E que já fiz verdadeiras loucuras neste capítulo, tais como como fazer com que uma tia, cujo filho mais novo tinha quatro anos e que já não mamava há dois, voltasse a ter leite para amamentar a sobrinha, uma prematura de 900 gramas que entretanto tinha perdido 200, mas que mamava de olhos abertos e com o vigor de quem se recusa a morrer! Isto porque a mãe da criança estava a morrer de sida e estávamos num local onde não havia água potável para fazer leite artificial para aquela bebé.

Quem assistiu a este último episódio da minha vida em África sabe que ninguém acreditou naquilo ao princípio. Que eu própria duvidei da minha sanidade mental várias vezes (embora nunca o tivesse admitido, era só o que faltava!). Quem lá esteve sabe que, enquanto o leite não voltou, eu ia dando com a tia e com as enfermeiras da maternidade em doidas e que consegui, efectivamente, enlouquecer a colega que estava comigo na altura. Eu própria ia ficando louca e provavelmente nunca recuperei deste estado assim tem-te-não-caias... Ou já estaria antes? No meio daquilo tudo, o que tenho a dizer é que a tia foi uma autêntica heroína e a sobrinha bebé uma lutadora de mão cheia.

Naqueles dias de desgaste e angústia socorri-me de tudo o que me lembrei ou inventei que nos pudesse ajudar: dei-lhe o tal medicamento que vai sempre comigo, mandei chamar o curandeiro mais afamado das redondezas, mandei buscar a D. Catarina - a antiga parteira de Iapala, que entretanto se reformara - e dei-lhe a comer feijão-jugo** como se não houvesse amanhã, cozinhado pelo Sr. Barril, o cozinheiro das Irmãs, a quem a história passou completamente ao lado e que, portanto, se deu em doido foi por causas inteiramente estranhas a este episódio e declinamos qualquer responsabilidade pelo sucedido. Mas penso que ele por acaso não deu em doido. Só achou um pouco bizarra a minha insistência em comer feijão-jugo todos os dias, mas não fez perguntas...

A bebé, por fim, acabou por ser baptizada com o nome da minha colega, que passou a acreditar em milagres, embora eu lhe jurasse a pés juntos que aquilo que acontecera estava longe ser exótico e tinha bases científicas. O problema é que depois disto fiquei ainda mais convencida de que o realeitamento é possível. E se em Lisboa sou capaz de convencer as mães dos meus meninos de que a coisa resulta (e, efectivamente resulta muitas vezes!), muito mais em África, onde o aleitamento materno representa a única hipótese de sobrevivência das crianças.

Isto tudo para dizer, meus amigos, à laia de conclusão, que consigo ser chata-como-a-potassa no que concerne à problemática do realeitamento materno, que nutro particular interesse pelo fenómeno e que ele resulta muitas vezes.]

Ora, adiante!

(continua)

*Eu sei que no original é bailar e não beijar, não me arreliem... E quanto às amigas, não prescindo delas!
** Feijão-jugo é uma leguminosa africana que tem nome de feijão, cultiva-se como o amendoim, come-se como o tremoço e sabe a grão-de-bico. Dizem que também tem a capacidade de estimular a produção de leite materno.

7 comentários:

  1. Obrigada pelo excelente post!
    Eu também acredito, sim senhora, que o realeitamento é possível.É preciso qeu as mulheres acreditem em si e no seu poder para tal (tal qual como no parto).
    Um bem haja e tudo de bom!

    Bárbara Yu

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  2. É preciso acreditar, certamente! Mas, tal como no parto, também é preciso potencial e um bebé que colabore. Se o bebé não persistir em mamar não tem qualquer hipótese. Esta menina queria mesmo viver!

    (um) beijo de mulata

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  3. Não disse o nome de propósito, Cláudia, que o realeitamento não se deve fazer sem supervisão. De qualquer modo o sucesso depende muito da capacidade do bebé de persistir em mamar... Mas fale com o seu Pediatra.

    Beijinhos

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  4. Moo, posso fazer uma sugestão? Em posts como estes seria bom informar o leitor (na legenda da foto, por exemplo) de que as pessoas que constam na foto não são os doentes de quem fala, sobretudo se essas pessoas ainda estão vivas. Talvez não seja nada provável que os visados leiam o blogue, mas nunca se sabe e se o fizerem não vão gostar de estar a ilustrar um caso de sida (não a tendo) ou, se estão doentes disso, talvez não queiram ser vistos por isso, sobretudo se não lhes perguntou antes. De qualquer modo, a Virgem vai ver isto tudo...

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  5. Tem razão, Pedro. Sempre atento... Muito obrigada pelo comentário. De qualquer modo, já estava a fazer conta de depois acertar tudo com a Virgem Santa ;)

    Beijos

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  6. Tive a oportunidade de assistir a esse milagre algumas vezes...

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