... mas o menino desconseguiu!
(Texto de Francisco Campos, sj)
Já todos percebemos isso há muito tempo. De outro modo, como poderíamos ver nesta terra, que poderia ser um paraíso para todos e ainda não o é, milagres daqueles enormes, que nos permitem sobreviver?
Já Jesus não é moçambicano. Tentou, mas não conseguiu. Mas essa é uma história de há muito, muito tempo:
- Pai!
- Sim, meu Filho?
- Quero encarnar moçambicano.
- Isshhh[1]!! A doidice entrou donde nessa cabeça?
- Falo a sério, Pai. Quero nascer em Moçambique.
- ‘Cê, ‘cê!! Estás-me a dificultar!... Como pode?... Moçambicano??... Nada!!
- Sim, moçambicano. Que outro sítio poderia eu escolher?
- Actualiza-me[2] lá das tuas razões.
- Há sítio na terra mais perfeito para um presépio? Não há!
- Como quer, você? Os Reis Magos vão desconsiguir encontrá-lo lá! É muito grande aí! Nem com grande estrela!
Aparece, entretanto, o Espírito Santo com preocupações mais pragmáticas por causa da época que se avizinha.
- Bom dia!
- Bom dia, bom dia, obrigado! Da minha parte está tudo bem. E você aí do seu lado?
- Tudo bem. Vinha saber se posso fazer uma máquina de roupa.
- O quê??
- Posso fazer uma máquina de roupa com os paninhos que o Menino vai usar?
- E como se faz?
- Bom...
- Você sabe?
- Acho que sim...
- Então estou a pidir fazer uma máquina, que tenho aqui outros problema.
- Até já, então.
- Está bem.
A atenção virou-se de novo para Jesus:
- Xii Jesus... Está mal!... Moçambique? Eu já sou moçambicano. Não pode todos ser moçambicanos.
- Mas já foram pensadas outras possibilidades?
- Ainda. Mas essa está desquestionada.
- E a pressa? Temos de ser rápidos!
- Afinal? Que dia é?
- Será 25 de Dezembro, como combinámos.
- Issch! Não é? Assim não anima! Preciso de tempo p’ra pensar nisso.
- Na eternidade não há isso do tempo.
- Não é? Maningue nice[3] essa invenção!
- Sim... Mas Moçambique poderia ser considerada ainda uma última vez antes da decisão final...
- Não. Moçambique já tem muitos presépios perdidos.
E é verdade.
Muitos meninos e meninas nascem todos os dias em Moçambique sem nada, embrulhados na capulana[4] suja que servia de saia da sua mãe, com fome, calor, esquecidos por todos e sem uma estrela que guie alguém até si.
Parece que é um Natal que se repete ingloriamente[5], todos os dias e ninguém dá por ele. Mesmo que o bebé chore com todos os seus pulmões. Mesmo que a mãe chore por não ter nada para lhe dar. Mesmo até, que seja dia 25 de Dezembro.
Só se dá pelo calor, pelo suor que teima em correr pelos corpos em diamânticas gotas preciosas que jorram da vida e a salgam. É esse o último esforço e reduto do esplendor do Céu que encarna na terra.
E por isso é Natal em Moçambique. Porque estes “Jesuses” são profundamente amados pelo Pai, nosso Deus, que afinal também é moçambicano. Desejo um Feliz Natal, cheio desta experiência de sermos filhos muito amados pelo Pai, mesmo que por vezes não nos chamemos Jesus, ou sejamos moçambicanos.
[1] Grito de dor, indignação, típico destas bandas.
[2] Informa-me, fala-me.
[3] Muito boa.
[4] Panos típicos mais ou menos coloridos, mas sempre com um padrão, utilizados para tudo o que for preciso, desde roupa, a porta-bebés nas costas, panos de limpeza,...
[5] Não se ouve Gloria in excelsis Deo em quase parte nenhuma.
Gostei muito!
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