Mas, como eu ia dizendo, estas eram as adolescentes que viviam lá em casa. Muitas eram órfãs, a maioria com famílias demasiado pobres para conseguirem pagar sequer um décimo da estadia, quase todas com histórias de vida terríveis que podiam fazer qualquer adolescente perder a vontade de se levantar da cama todas as manhãs, quanto mais de continuar a estudar. Só iam a casa nas férias e voltavam sempre mais magras, com doenças por tratar e com mais histórias tristes para contar... Mas tinham uma força e uma alegria de viver contagiante. E se dançavam assim na missa, imaginem o que era às vezes aquela casa depois da missa... E, no Gilé, elas eram "as meninas das Irmãs". Tinham uma cama, comida todos os dias, água nas torneiras, luz dentro de casa, livros e cadernos para estudar. Nunca iam ao hospital sozinhas e portanto eram sempre atendidas fosse a que horas fosse. Na escola os professores pensavam sempre duas vezes antes de lhes pedirem subornos ou favores sexuais porque sabiam muito bem que, no que tivesse a ver com as meninas, as Irmãs eram umas autênticas leoas. Defendiam-nas com unhas e dentes e, portanto, se fossem descobertos corriam o risco de perder o emprego e já não seriam os primeiros a ir para a prisão.
Não sei bem sequer se elas tinham noção de que tinham "padrinhos" no estrangeiro que nunca conheceriam pessoalmente mas que apoiavam o projecto das Irmãs para lhes proporcionar os estudos. É certo que rezavam sempre por eles em conjunto nas orações da noite, mas os padrinhos são como os anjos da guarda, por vezes estão demasiado longe para podermos acreditar neles...
Mas se fora de casa elas eram protegidas pelas Irmãs e pela sua reputação de leoas, dentro de casa estavam longe de serem tratadas nas palminhas. Como quaisquer adolescentes que se prezem davam-nos água pela barba! Ansiedades, angústias, dúvidas, namorados, doenças - verdadeiras ou imaginadas, saudades de casa, intrigas com as amigas, todas as noites aquela casa era uma animação. Uma telenovela das antigas. Mas também eram os melhores momentos, os que passávamos sentadas na varanda, ao fim do dia, olhando a lua que subia sobre o monte, as queimadas a arder aqui e ali, a tentar impingir umas às outras o cão mais chato à face da terra, permanentemente a roçar-se em nós e a pedir festinhas. As meninas vinham ter comigo e com a R. e por lá ficávamos, lado a lado, a namorar a noite e a conversar, todas com a difícil tarefa de tentar compreender o mundo e crescer nele...
Sem comentários:
Enviar um comentário