Há alguns anos atrás, numa cálida noite de verão, estavam três colegas meus, ainda alunos do último ano de Medicina na sala de pequena cirurgia do São José - essa grandiosa urgência de Lisboa - quando entra um jovem cigano trazido de maca após ter sido esfaqueado num ombro, com a roupa cheia de sangue e inconsciente. Era o terceiro doente esfaqueado nessa noite numa esquina do Martim Moniz pelo mesmo assaltante, que entretanto só acabou por ser preso de madrugada...
Enquanto um deles ia chamar os colegas mais velhos que estavam noutra sala a tratar dos primeiros esfaqueados da noite, os outros dois colegas e o enfermeiro de serviço apressaram-se a calçar umas luvas e socorrer o doente. Ora acontece que, há alguns anos atrás, os meus colegas eram alguns anos mais novos (mais uma vez este blog presta homenagem aos jovens soldados foliões que imortalizaram o Marquês de la Palice) e consta que o enfermeiro que estava de serviço era igualmente alguns anos mais jovem e também bastante novinho...
Foi aí que começou o grande aperto: o doente vinha inconsciente e a sangrar activamente do ombro e os meus colegas, tal como mandam os bons preceitos do suporte de vida, em vez de tentarem estancar a hemorragia começaram a avaliar os sinais vitais enquanto o enfermeiro, absolutamente ignorado, os olhava, parado, à espera de instruções:
Colega 1 [posicionando a via aérea] - Vê lá se respira...
Cinco segundos depois:
Colega 2 - Acho que não... [Olhando anelante para a porta, à espera de ver aparecer a qualquer momento os colegas mais velhos e palpando o pescoço em busca do pulso carotídeo... a aflição crescendo cada vez mais...] ...e também não tem pulso. Está em paragem!
Colega 1 - Dá-lhe um murro no peito. Temos de começar massagem cardíaca!
Nisto o doente, muito a custo, abre um olho, tenta levantar o pescoço e diz em voz arrastada mas muito indignado:
- Eh, lá... ê só tou bêbado!
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