E o primeiro candidato ao Grande Prémio "Fia-te-na-Virgem-e-Não-Corras" 2015 chegou ao serviço de urgência do meu hospital na semana passada!
Ora pois que o episódio se inicia estava eu, pacatamente, no gripódromo em que se transformou o serviço de urgência nas últimas semanas (metade do país está de cama e a outra metade ou já esteve ou vai ficar), que é como quem diz, no ram-ram do "Boa noite, então o que se passa com @ menin@", assim mesmo mas sem o @, que parecendo que não, é difícil de articular com clareza. Ao que os pais respondiam invariavelmente com o "Febre-tosse-e-ranho-desde-há-três-dias,-mas-é-só-por-descargo-de-consciência-que-se-não-fosse-o-terceiro-dia-nem-vinha-aqui-que-eu-nem-sou-muito-de-vir-às-urgências-mas-é-que-lá-da-creche-pedem-o-papel-do-médico-e-pronto". E lá continuava eu, com a preocupação de, no meio dos cinquenta que tinham gripe, não deixar escapar aqueles 1,2 meninos que tinham pneumonia ou o 0,3 que tinha meningite*.
Eis senão quando, no ecrã me aparece um menino classificado como laranja. Prioridade quase máxima. Num relance reconheço o nome: é o filho de uma colega minha. Teve uma convulsão com febre em casa e ainda está sonolento. Sonolento mas mais lento do que com sono, felizmente, sinal de que estava a recuperar.
A minha colega vinha pálida, impaciente, exaltada como nunca a tinha visto. Não era para menos, que uma convulsão num filho é coisa para assustar o mais experiente dos médicos, mas acabou por me explicar o motivo da enervação:
- O Rafael estava ao meu colo, muito murchito. Chamei a empregada e pedi-lhe um Ben-U-ron porque me parecia que a febre estava a querer subir e foi então começou a convulsar.
- E depois o que fizeste?
- Chamei a empregada outra vez e ela lá veio espavorida. Pedi-lhe outra vez o Ben-U-ron e toalhas molhadas, mas ela só se agarrava a mim e dizia: "Ai reze, menina, reze!" E eu respondia, "Eu rezo, Maria, eu rezo, mas vá-me lá buscar umas toalhas molhadas e um Ben-U-ron". Ela desapareceu para a cozinha, mas só quando voltou com uma velinha acesa e sem as toalhas é que percebi que tinha se ser eu a fazer tudo. Deixei-o no chão em posição de segurança e fui eu própria buscar tudo e ligar para o INEM.
- E no meio disso tudo, ele já tinha parado?
- Sim, graças a Deus, não deve ter durado mais do que dois minutos, mas a Maria só dizia que tinha sido da velinha ao Santo António. "Ai, menina, palavra como não sei como é que me saíram as palavras do responso! Fiquei tão nervosa!" Só me apetecia esganá-la.
Entretanto eu já tinha completado a observação, que era normal, e o Rafael aninhava-se, bem disposto, ao colo da mãe.
- Margarida, ri-te que agora já podes, o menino está ótimo! Tem calma, que não foi nada.
* Valor estatístico meramente especulativo, ok? Não me citem em nenhum trabalho científico, por amor de santa Escolástica.
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